mudei de endereço.
url mais fácil, com todas as possibilidades: milcompassos.com.br
vai lá, visita, fica, critica, comenta e, se possível, elogia, porque eu não sou de ferro.
mil compassos
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
fragilidade de cristal
sou frequentadora de brechós, sebos e afins.
gosto muito.
tenho fascínio por objetos e suas histórias.
quando compro alguma coisa, imagino por horas, dias, semanas sua vida útil até
chegar em minhas mãos. faço retrospectiva detalhada de tudo o que lhe aconteceu
e desmanto histórias fantásticas. o exercício dessa ficção me alegra.
dia desses estava em Antonina. em viagem
dentro de um maravilhoso mercadinho de pulguinhas descobri jogo lindo de
cristal. coisa toda desenhada, década de 50, perfeito.
lindas, serenas, elegantes, gamei nas taças.
30,00 cada, levando as seis, o desconto: 25 pila.
cheguei em casa com o conjunto reluzente.
peças frágeis, tratei-as com cuidado,
delicadeza e respeito. imaginei-as sendo levantadas em cerimônias
íntimas que anunciaram noivados, chegadas de filhos, formaturas, mudança de
casa.
soube, por intuição, de muitas histórias.
e a pensar nos maravilhosos brindes, fiquei
inquieta. não é comum jogo tão antigo ser composto por seis peças, geralmente
abarcam número maior, doze, 18, até 24, as famílias eram grandes... aí lembrei
que na divisão das coisas de uma avó, cada neta acabou ficando com meia dúzia,
que é um número de nossos tempos. a neta que deixou seu jogo em Antonina, fez
compras na Tok Stock e era uma coisa ou outra em seu apartamento novo.
sorte minha.
pois bem, estava junto com essas seis taças
no brechozinho de Antonina, seis copos e outras seis taças, daquelas de modelo
aberto, para champanhe.
não me reconheci por ter trazido apenas um
pedaço da família. isso não se faz. como pude desmembrar copos de taças? como
pude amputar companheiros de tantos eventos? será que já não basta o que
sofreram com o primeiro e definitivo divórcio?
eu não sou assim!
liguei para o brechó, perguntei sobre os
órfãos. estavam todos lá, saudosos e infelizes. ri empolgada, pedi que os
acalmassem que iria buscá-los. não tenho cristaleira, morada digna para toda
família, mas separei lugar de honra no armário.
um intrometido e frustrado balde de água
fria, desses que vagam sozinhos por aí, que só promovem a infelicidade dos
outros, se intrometeu na conversa. personificou-se na voz da atendente e
deliberou: “50,00 cada peça!”.
enquanto a economia doméstica não permite a
mudança no panorama, tento convencer as taças a conversarem com copos de outra
temporada, fazerem novas amizades, abrirem a cabeça.
parece que não querem, são prezas às raízes.
se afogam em Bordeaux para esquecer...
acumuladora
sou pessoa que se comove com necessidades
alheias. aprendi que se é uma coisa que tenho que fará o sofrimento do próximo
diminuir, eu doo. não tem problema.
mas mesmo assim, me agarro a alguns objetos
sem saber direito o motivo real.
os exemplos.
saca camiseta de promoção? loja, vereador,
campanha... essas que a gente nunca usará nem em público nem no conforto do
lar. então, quando ganho uma, se não me desfizer imediatamente, ela acabará,
inexplicável e virgem, no meu guarda-roupa até o final dos tempos. não entendo.
toda vez que vou bater aquela geral no armário e tiro peças que já me
acompanharam por anos de jornada, não consigo me desfazer dessas
sobreviventes. me passa pela cabeça o pensamento idiota de que elas um dia me
servirão para dormir, lavar vidros, fazer mudança, pintar a casa, mostrar aos
netos como era a marca da Nestle na década de 90 ou qualquer outra desculpa que
nunca se concretizará.
chaveiro. mesma coisa. é óbvio que jamais
pendurarei minhas chaves num cortador de unhas da Compagás, mesmo assim a casa
está coalhada deles. tempos atrás, resolvi encerrar esse sufoco, coloquei-os
juntinhos numa caixa de sapatos e decretei que faço coleção de chaveiros. pobre
de mim, tão medíocre a minha ideia que não passo de uma acumuladora de chaveiros
vagabundos.
outra coisa que não consigo me livrar são os
bilhetes de lugares que fui. tenho uma caixa cheia de entradas de shows,
teatro, cinema, gafieira, churrasco de igreja. alguns até que são memoráveis e
faz um certo sentido pelo valor sentimental ou histórico em questão, mas a
maioria não tem cabimento, principalmente aqueles que vêm em papel de fax e se
apagam com o tempo. há um sem-número aqui de bilhetes que não têm mais
inscrição do que foram, mas não consigo me desfazer, não quero ser ingrata com
um papelzinho que pode ter me proporcionado grandes momentos.
as coisas dos filhos. tenho material para
inaugurar um museu para cada um. tudo começou na maternidade, guardei primeiro aquele
bracelete que identifica o bebê, serviu de alimento para a compulsão: umbigo, dentinhos
de leite, primeiro sapato, trabalhos escolares, provas, boletins, cadernos,
bilhetinhos, um milhão de cartas. as roupinhas se foram, mas guardei um
modelito de cada manequim. imagine o tamanho desse baú, ele com 22 anos, ela
com 14.
é verdade que quando mudei de casa, veio um
caminhão cheio pro novo endereço e um outro cheinho também ficou para trás.
quando decretei que estava encerrada a temporada de mudança, não quis saber o
que ficou. com o tempo fui descobrindo: aspirador de pó, panelas, patins,
caixas de som, quadros... coisas que me seriam úteis.
o pior vem agora. encabulada confesso: nas
minhas andanças com a Lilia por Amsterdã e arredores, vi museus, prédios,
cafés, praças, feiras, moinhos, maravilhas que me marcaram a retina
eternamente. mas quando ela me levou a um imenso mercado das pulgas, fiquei
calculando quando custaria alugar um contêiner para trazer lembranças dos
Países Baixos...
terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
navegação
queria estar na praia agora. quieta, sozinha,
ouvindo arrebentar de ondas e chacoalhar de coqueiros.
para troca, somente um incrível, imenso,
intenso silêncio. desses que a gente só entrega para o mar e pronto. oferenda
sem volta e sem pedido.
os dias de doença me deixaram doente. o corpo
provou ser mais e levou à nocaute qualquer pensamento melhor.
acho que chega um dia em que a gente se
rende, se entrega, pula no poço e despedaça ali qualquer vontade.
mas o mundo é maior. e há gente. gente de
todo tipo, que amamos, que nos amam, que nos querem, que queremos bem. gente
que exige força, determinação, bom humor, atenção. gente que nos escolheu como
representante do discurso do guerreiro e não aceita nenhuma fraquejada. perder
o vigor vira uma ofensa ao alheio. não há direito de ser menor.
eu canso quando me sinto o cara do circo que
roda os pratos. eu me apavoro quando percebo que não sou ele. eu não sei qual é
o meu lugar no mundo. eu não tenho lugar no mundo, e por isso queria ficar
quieta. sem pratos.
cem pratos é o que tenho e vou em frente.
expectativas contrariadas.
sou escrava da narrativa que construí e por
isso sigo, um passo depois do outro, mil piadas, sorriso estampado, confusões
cíclicas.
retorno, saída, mudança? não. só esse
afogamento em linhas tortas do que me apavora e me pesa os ombros.
por isso gosto do mar, diante dele não sou
nada, jamais serei nada, e nem preciso ter todos os sonhos do mundo.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
clima familiar
acampamento. nunca, nunca mesmo, me convide.
pra mim é aporrinhação pura. não conheço um
único ponto positivo dessa inversão esdrúxula que fez migrar para o lazer/prazer
todas as dificuldades dos tempos bárbaros.
primeira coisa desagradável é a antessala do
inferno, o camping. coletivo de árvores e quadrados delineados, churrasqueiras
com bolor nas paredes externas e ninhos de passarinhos, gambazinhos e
guaxininzinhos por dentro, o que inviabiliza o uso e obriga a procurar uma que
não esteja sendo ocupada para você dar conta de preparar o churras.
nesse momento, aparece o habitué de
camping, ele é solícito, solidário, hospitaleiro e vai logo buscar uma
parafernália qualquer para lhe ajudar com o gancho da barraca que ele viu que
não está bem preso; quilômetros de conversas a explicar como descobriu a dita
cuja da peça e todas as vezes que a ocupou em todos os campings que frequentou.
e para esse grupo de personagens, um assunto puxa o outro e se você só queria
tratar do pão com linguiça na churrasqueira podre do camping, ele vem e lhe
empresta uma grelha porque eu comprei
essa belezinha aqui, ó. e mostra um arsenal portátil, que faz de picanha a
chester, de batata frita a escondidinho de aipim. tudo com aquele ar superior,
disfarçado de companheirismo. volta para barraca, sorrindo para a família, e
balançando a cabeça em sinal de negativa, desprezo e sarro, Telma, eles não conheciam o XPG457.
o campista é um ser insuportável aguardando o
momento certo para dar o bote num frequentador menos preparado.
essa estranha confraria também propicia
outras situações: música, não importa qual, será sempre de um tipo que você não
gosta e num volume que te atrapalha.
provavelmente vão te convidar para uma
partida de truco ou sinuca na área comum do alojamento.
e como se não bastasse tudo, há o banheiro
comunitário. privacidade zero, você na fila segurando xampu, sabonete, escova
de dente, pasta, toalha e conversando sobre a Petrobras com um especialista na
área que resume tudo num tudo ladrão.
com os pés escorregando nas havaianas
molhadas pela agüinha nojenta que escorre pela terra/grama que circulam o local,
a humilhação pública pode se estender a níveis gigantescos caso você esqueça
algum dos pertences e alguém da sua família venha lhe socorrer. o experiente
campista vai te mostrar uma engenhoca que comprou numa loja de pesca online que
é banqueta, nécessaire, tapete de banho e pente tudo ao mesmo tempo. com o
sorrisinho de canto de boca, aguardando aplausos, admiração e inveja.
o camping tem aquele ar falso de equidade. mas as barracas com 58 metros quadrados, três quartos,
geladeirinha, fogãozinho, ventilador e TV com parabólica acabam sempre
conseguindo que o dono estacione sua cabine dupla em área proibida porque ele
precisa da bateria da viatura para ligar tudo, do contrário cairá a luz de
todos, como naquela vez em 1998 lá em
Bombinhas, lembra Soraia? e lá vem mais histórias...
mas se o camping é a antessala, a barraca é o
próprio inferno. quente, pequena, baixa, apertada, incômoda. o colchão de ar
que precisa ser inflado a cada 17 minutos está sempre com areia; não importa
quantas vezes as roupas sejam dobras e separadas, elas sempre estarão
desorganizadas e se você tiver mais que 1,30m não conseguirá ter qualquer tipo
mínimo de conforto independente do tamanho da choça.
apesar de todos os cuidados, os mosquitos
aparecerão. e você ficará irritado, triste ou nervoso porque divide um metro
quadrado sufocante com um casal de violinos-canibais? não! você pensará que tem
sorte por não ser uma caranguejeira ou um escorpião como relatou um dos
vizinhos durante a fila do banheiro. e nessa lembrança o sono troca de lugar
com o pavor que te faz acender a lanterninha e bater uma geral no local a cada
10 minutos, provocado por ter sentido alguma coisa andar em você.
enfim, quando você resolver que é melhor
ocupar o lugar só para dormir e tratar de passar o dia inteiro fora, sem ligar
para o fato de ter que se mandar pra praia imediatamente depois de ter traçado
o combinado 3 do restaurante da esquina, uma inacreditável chuva de verão
chegará de repente e te fará ter que voltar correndo e aceitar, oprimido e submisso,
que se não fosse por seu colega de estadia estar por ali, suas coisas estariam
todas alagadas, como aconteceu com aquele
casal que não tinha experiência e montou a barraca num lugar baixo assim, lá em
Caraguatatuba no ano retrasado, né Fátima?
domingo, 1 de fevereiro de 2015
quase noite de verão
adoro piquenique. nunca faço.
me dá preguiça. muita mão de obra: reunir
coisas, preparar comidinhas, encontrar fórmula fácil para deixar a bebida
gelada, ter toalha xadrez.
escolher um lugar também não é tarefa leve.
não pode ter formigas, mosquitos, abelhas ou qualquer coisa que voe, ande ou se
arraste. nem gente barulhenta, xereta, que goste de conversar por perto. só
mesmo curitibanos da década de 1970, nem oi.
um piquenique precisa ser uma ilha com nuvens
cercada de vários dias de sol e de chuva por todos os lados, porque não dá para
ficar se torrando, mesmo que embaixo de uma bela castanheira, nem montar todo o
esquema na grama molhada das chuvas dos dias anteriores. nesse dia, que faz
limite entre a temporada de sol e de chuva, sopra aquela brisa fresca que beija
o rosto da gente. é de precisão adivinhá-lo, sabe-lo, reserva-lo. ah! nossa
imprevisível Curitiba...
outro lance do piquenique é a vontade de
beber champanhe, de usar talheres e louças de verdade e reunir tudo isso (mais
mini sanduiches, tortinhas de alho-poró, cuque de uva, frutas picadinhas e sem
estarem meio tingidas por aquela cor marrom depois da primeira facada) numa
bela cestinha de vime, duas tampas e uma alça. e carrega-la com a graça e o
despojamento de quem segura uma flor, sem ter o corpo inclinado e o braço
doendo como se estivesse puxando um gorila.
para um bom piquenique também é preciso o
vestido perfeito, chapéu de grandes abas que não atrapalhem a visão e não deixe
o cabelo feito o do Bozo na eventualidade de querer tirá-lo para deitar e
apontar os algodões no céu. as sandálias, delicadas e confortáveis, são
descalçadas com esforço mínimo e isso já me lembra que os pés precisam ter
feito uma visitinha ao pedicuro.
outro detalhe importantíssimo do piquenique é
a companhia, claro. não pode ser um namorado pamonha, sem muita iniciativa e
que não saiba adivinhar as fomes, corpo e alma, do evento; nem aquele
apressadinho que vai logo colocando a mão onde não deve, corpo e cestinha.
a companhia ideal para o piquenique, sabe que
é capital tirar do bolso um livro de Fernando Pessoa e puxar poema; faz duas ou
três perguntas sobre assuntos que você queira conversar; reconhece, algumas
vezes, a beleza de quem está à sua frente e conta histórias divertidas e
interessantes.
o horário. os finais das tardes de verão são
ideais. quando o dia vai acabando há aquela transformação interessante entre um
momento e outro; o que é e já foi e o que ainda não chegou e se mostra, tudo
misturado em tons de rosa, azul e lilás. porém, antes que a noite aconteça de
verdade, tudo estará organizado para a despedida do cenário.
adoro piquenique. nunca faço. me dá preguiça.
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