Júlio Dinis é escritor da literatura
portuguesa de pouca expressão no Brasil. Sabe-se lá o motivo. Em Portugal ele
tem respeito e reconhecimento e busto na praça e nome de rua e recomendações e aplausos.
Meninota conheci, apesar do título
maravilhoso, sem grande empolgação, “As Pupilas do Senhor Reitor” e só. Foi
tudo que soube do tal do Dinis, nascido na cidade do Porto em 1839 e de lá partindo
dessa pra melhor em 1871.
Mas, agora, depois de vencer as quase 500
páginas do romance “A Morgadinha dos Canaviais”, publicado lá em 1868, acabo
por admirá-lo muito. Ele, apesar da época, não faz coro àqueles escritores da
escola ultra-romântica, se aproxima mais e abre portas para os realistas. Ele,
apesar de médico e escritor, sabia observar, criticar e relatar os cenários
políticos com maneiras experientes e particulares. Ele, apesar de tão doente,
não passava amarguras nos textos. Ele, apesar da pouca idade, conhecia muito
dos bons sentimentos e das mesquinharias humanas. Ele, apesar da falta de
registros sobre sua vida amorosa, sabia descrever tão hábil, delicada e
sedutoramente as mulheres.
Não vou contar resumo do livro, porque isso
seria uma simplificação injusta, que acabaria por esconder a beleza da escrita,
a escolha apurada de palavras e os enredos paralelos tão bem calculados e
divididos.
“A Morgadinha dos Canaviais” é um belo
exemplar da literatura portuguesa do século XIX – e olhe que há grandes
concorrentes por aquela época.
Ó que amor:
“Ao cair de uma tarde de dezembro, de sincero
e genuíno dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos
de primavera, subiam dois viandantes a encosta de um monte por a estreita e
sinuosa vereda, que pretenciosamente gozava das honras de estrada, a falta de
competidora, em que melhor coubessem.”
“O perfume da saudade é como o de certas
flores, que só se percebe quando de longe o recebemos. Se, iludidos, as
tentamos aspirar de perto, dissipa-se.”
“O cultivo das letras latinas deve-lhe
proporcionar gozos; porque enfim para quem possui instintos de arte, a leitura
dos poetas já é um lenitivo contra as agruras da vida.”
“Não sei como os homens se faziam entender
com aquela endiabrada contradança de palavras, com aquela desafinação que faz
dar volta ao juízo de uma pessoa. Sabe o senhor o que é uma casa desarranjada,
onde ninguém se lembra onde tem as suas coisas quando precisa d'elas e passa o
tempo todo a procurá-las? Pois é o que é o latim. Abre a gente um livro e
põe-se a traduzir e vai dizendo: «As armas, o homem e eu, canto, de Troia, e
primeiro, das praias.»”
“Henrique, deixado só pelo guia
ao chegar ali, foi caminhando vagarosamente por esta avenida, dominado por
a íntima comoção e sentimento quase de temor, que se apodera de nós, em todos
os lugares a que se ligam memórias do passado.”
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