quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Daí


Pato Branco não tem pato e não é branca. Chão vermelho, poucos pássaros, flores cultivadas, ruas limpinhas, praça bonita e igreja enorme. Subidas, descidas e muito frio! Pato Branco tem também gente bacana, sorrisos fáceis, lareira que arde e bebida quente.

Fui até lá na companhia de Vinícius de Moraes para, como ele ensinou, reconhecer amigos. Fui a trabalho, em trajes civis: vestida com as roupas e as armas da poesia.

Convidada para uma atividade que é puro prazer, iniciei minha jornada na Caravana da Poesia desse ano lá em Pato Branco. Pé direito. Pé firme. (Ano passado tive privilégio parecido e escrevi aqui.)

Preparei conteúdo, assunto, aulas de acordo com experiências e pedidos anteriores. Encontrei pessoas que, sem saber, me conduziram a outros caminhos, me proporcionaram novas reflexões. Agora, desfilo por outras possibilidades para que a próxima jornada, que será em Toledo, seja ainda mais rica, crescente.

O ônibus da Caravana percorre via de mão dupla e isso é espetacular!

Maravilhoso também é observar os fazeres alheios, de estudantes, professores, organizadores, companheiros de objetivo.

Estou com o coração em festa por ter feito trabalho tão honroso e convivido com gente tão bacana.

ônibus que leva e traz experiências!

sábado, 17 de agosto de 2013

são tantas já vividas


Quando eu saí da rádio, trouxe comigo muitas lembranças, muito aprendizado, muita amizade, muita camaradagem... esses bens que a gente guarda no coração e carrega pela vida, a contar o que valeu, o que importa.

Mas com os valores imateriais vieram também quatro caixas de recortes desses anos todos. Duas ainda estão no carro e à outra metade me dispus a arrumar hoje.

No romance O Amor nos Tempos do Cólera, a Fermina Paza em determinado momento diz que seria bom ter um lugar pra guardar as coisas que não têm serventia prática mas que também não podem ser abandonadas pelo caminho. E noutro dia a minha amiga Sylvia falava sobre a ciranda dos trecos, quando a gente tem que tirar as coisas de um lugar e encontrar outro pra elas.

É uma pedreira essa arrumação toda. Das duas caixas, joguei poucas coisas fora. Fiquei muito emocionada com o reencontro com minha vida. Pedacinhos de papel, recados, objetos, lacinhos, cartas, cartões, chaveiros, canetas de todas as cores, fotografias, mil fotografias, deram conta de tratar de grandes momentos dos últimos 13 anos. Retalhos da minha vida, que me fazem lembrar que nesse tempo todo vivi mais dentro do que fora do prédio da rádio.

Ou, como diria o Rei, detalhes de uma vida, histórias que eu contei aqui...

desempacotar tudo, uma vez fora das caixas, as coisas precisam caminhar pra outro lugar.

melhor separar.

amiguinhos de trabalho: por um cotidiano mais divertido.

duas faces da mesma moeda.

eu, contada em quadrinhos pela Gabriela.

tranqueiras de outros tempos. 

coleção de selos.

momentos.

mais momentos.

muitos momentos.

Perdão! Mas para essa pieguice de relembrar emoções, só o bom e velho Roberto...



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

o tempo da língua


Em leituras que não têm fim por conta de um trabalho, eu revisitei e descobri textos belíssimos. Contos, crônicas, poesias, letras de música... A cada cinco minutos de leitura, uns 20 para reflexão e mais meia hora de releitura em voz alta. Sem contar quando chamo alguém para ouvir, sem contabilizar quando o copio para enviar a um amigo, sem considerar quando ele me leva outro e a outro e a outro e aí estou fora do tema, a atrasar o trabalho... (desculpa!)

Como é lindo o nosso português! O nosso brasileiro, o original e os outros...

Isso tudo me afirma, mais uma vez, a incrível cara de pau que tenho. Como posso, como tenho coragem, em me aventurar pelos caminhos da escrita com texto tão medíocre e, o pior, com ideias tão irrelevantes? A frustração é tão desgraçada!
Mas, por outro lado, quem penso que sou para escrever melhor, para fazer comparações? A humildade é tão difícil!

O que é certo mesmo, e que não é vergonha pra ninguém, é que continuarei a me encantar com a leitura, porque há muito a descobrir e também, como diria Caetano, porque gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luís de Camões...


Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.

Mia Couto

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

eita vida besta!


Trabalha, Adriana, trabalha
Trabalha que você precisa livrar as contas,
Ir à feira
Costurar a roupa
Comprar xampu
Pagar escola.

Trabalha, Adriana, trabalha
Trabalha porque isso dignifica,
Sustenta
Justifica
Melhora
Ocupa o tempo

Trabalha, Adriana, trabalha
Trabalha para ir à praia,
Conhecer Holanda
Trocar de carro
Rezar em Salerno
Comer no Palais Royal

Trabalha, Adriana, trabalha…
Trabalha para poder descansar.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

um pequenino grão de areia


Tenho pressa, mas quero que a vida passe devagar.

Não entro sem ser convidada e preciso de, pelo menos, cem insistências diferentes.

Entrego, fortuna preciosa, o amor aos amigos, mas exijo permanente devolução.

Leio o mesmo livro várias vezes e deixo muitos pela metade. Tenho pessoas inteiras na vida e outras vão ficando aos pedaços.

Comecei a ver novela, gosto de ir ao futebol, não me interesso por festas, sempre escuto música e leio poesia em voz alta.

No supermercado procuro o que tenho vontade na hora, em casa preciso ir ao supermercado.

Estou cercada de gente boa e, como todo mundo, caminho sozinha.

Contradição é o meu nome: manhã, tarde e noite, 786 emoções diferentes. Tenho o que cada momento me dá e sinto o que ganho.

Já entendi que a vida passa num estalar de dedos e isso me revolta.

Não gosto de ficar velha, flácida, feia, grisalha, mas me orgulho dos anos vividos, das emoções sentidas, do caminho percorrido. Talvez fizesse tudo de novo, talvez até com as mesmas pessoas.

Quero todos os dias passear pela praia antes que seja tarde. Temo pelos descuidos do entardecer.

Sou frágil feito flor em dia de tempestade: agarrada ao caule resisto.  

Não vivo mais sem celular e internet, mas vez ou outra faço questão de esquecê-los. Gosto quando o telefone toca na bolsa e eu ouço sem saber e sem atender: a sensação de domínio e libertação!

Não me fissuro em pretensões de riqueza, mas minhas vontades custam a grana que não tenho, que nunca terei. Conheço a frustração do sonho não realizado.

Jactância de transformar o mundo, arrogância de mudar pessoas, bazófia de criticar. No íntimo, me recolho e sei do meu tamanho: pequenino grão de areia, corisco no caos.

Creio em Pixinguinha, em Van Gogh, em García Márquez, em Fernando Pessoa porque acredito na beleza como profilaxia.

No mais, tenho pensamentos secretos e sonhos que encheriam um caminhão.




segunda-feira, 5 de agosto de 2013

arrastando pela vida


Dos sonhos de criança alguns ficaram, outros foram embora e boa parcela acabei por esquecer.

Algumas coisas eu lembro bem: queria ser caminhoneira e queria ser carteira, sim, daquelas de uniforme amarelo e azul.
Da minha pretensão de ganhar as estradas, sobrou a vontade de viagem, a necessidade de liberdade e o desejo de dobrar novas esquinas.
As aspirações de carteira se transformaram em impulso de comunicação, veleidade em contar coisas, escrever cartas, bilhetes e recados.

Também menina sonhava em conhecer a lua, em ser uma das Frenéticas, em patinar no gelo, em morar sozinha. Desses caprichos, nenhum veio pra minha vida adulta, nem com outras roupas, travestidos de outras coisas.

Lembro ainda que queria conhecer o Chacrinha, ter um cachorro são-bernardo, fazer bolo só de cobertura, ir a Paris e ter o cabelo como o da Perla. Eu não cheguei ao Chacrinha, mas tive bons substitutos, tenho um beagle, volta e meia eu faço bolos bem fininhos e com três dedos de cobertura, fui a Paris e não gosto mais do cabelo da Perla.

Das coisas de menina, eu ainda trago em mim, intactas, algumas: jogar ao mar garrafas com bilhetinhos, passear de mãos dadas pela praia, esquentar o rosto ao sol do inverno, acordar cedo e fazer o maior número de coisas no mesmo espaço de tempo para ter tempo de não fazer nada.

E assim vou vivendo...


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

no tempo da escola


Joana se preparou para o teste de admissão do time durante semanas. No grande dia entrou na quadra tremendo feito banhista que sai do mar em dia de vento frio, e se colocou em posição. A primeira bola lhe acertou o braço e foi para a terra do nunca; a segunda carimbou o chão diante dos seus pés e atravessou a quadra e a terceira acabou por sangrar seu nariz. A escola toda vendo.

Era tanta humilhação que ela, sem vontade ou disciplina de atleta, correu para o banheiro. E não demorou muito, Flávia já estava de plantão na porta a caçoar e aumentar um sofrimento que parecia não ter fim. Com o alvoroço de gente tentando socorrer e consolar Joaninha, Flávia, mordida de ciúme, gritou num fôlego só:

- Ela quer entrar no time de vôlei porque gosta do Fabinho! E eu sei disso porque ela esqueceu o diário no banco lá de trás e estava escrito.

Joana parou de olhar pra cima, deixou de enxergar em volta, não se importou que o sangue voltasse a pingar e marchou até Flávia. Foi preciso chamar a Dona Laurinda para separar as duas.