a geladeira da minha casa é espécie de museu.
já desisti de adaptá-la como eletrodoméstico útil nesses tempos em que a colheita e a caça podem ficar bem armazenadas para os dias mais difíceis.
o elefante parado no meio da cozinha me conta de outros tempos. é testemunha de festas, presentes e esperanças. é um baú de histórias que se renova e se completa sem dar importância para os prazos de validade.
o lado de fora se transformou num grande mosaico dos lugares do mundo. imãs se amontoam e contam por onde a família passou, as vezes até por quantas vezes a família passou pelo mesmo lugar.
quando o Dé nasceu, ganhei uma máscara para olheiras, coisa meio gelatinosa que tinha indicação de temperatura mínima para surtir efeitos. desde então ela está lá, azulzinha, intacta. nunca veio para o meu rosto, mas sempre se mostrou pronta para as manhãs que denunciam insônias. Dé e máscara têm, cada um, quase 22 anos.
tenho também uma coleção de cerveja vagabunda, com a validade vencida em 2006, que serve de piada a um grupo de amigos que procura por bebida fresquinha nas tardes de verão.
há coleção de shoyo. um para cada pedido de temaki que Lívia fez na entrega express, com a recomendação, não anotada, de não carecer envio do molho.
uma champanhe repousa deitada há sete anos na espera de uma comemoração digna de sua libertação.
a garrafa de rum ruim se trancou lá dentro mesmo sem necessidade e observa invejosa o movimento de outras que entram e saem na velocidade das visitas da casa.
acho que eternamente reinará na primeira prateleira o potinho de margarina acabada há muito, mas que se transformou numa espécie de amuleto.
dentro do freezer, as forminhas vazias do gelo que a Rafaela mastigou.
o revezamento dos demais habitantes é constante, mesmo assim, alguns se demoram mais do que deveriam, denunciando a presença cada vez que a luz se acende.
o relato pode me denunciar como dona de casa desatenta, mas, sei bem, que gosto de algumas permanências e de tudo aquilo que mantém a história fresca.
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