Eu queria fechar os olhos e ir. Rodar feito
João Gilberto na direção do Monza. Deixar cair prum lado e outro, vela na
brisa.
Corpo solto no mar, estendido de norte a sul,
mãos leste a oeste.
Leveza de gaivota, pensamentos soltos, pés
descalços.
Queria mais, queria ser pluma no gesto,
palavra e ação. Queria ter a beleza etérea das bailarinas a hipnotizar no
primeiro olhar.
Como seria bom flutuar por aí, passear de
sítio em sítio e ser confundida com miragem, fantasma, sereia. Ilusão que se
materializaria com voz suave. Quem me olhasse acharia que eu, suspensa,
dominava a gravidade e fazia de todos os lugares a minha lua particular.
Assim, suave, branda, calma talvez me fosse
permitido adormecer.
A insônia me provoca, me maltrata, me pinta o
rosto.
Ela apura os sentidos: audição de morcego,
biossonar, a captar qualquer decibel da rua, da madeira da casa estalando, de
um carro a quadras de distância; visão de rapina, que enxerga longe, de felina,
que desvenda formas no escuro, pupilas dilatas; olfato de perdigueiro, alguém
fumando no andar de baixo, pétalas florescendo na praça da esquina, o vidro de
perfume aberto. Fico à flor da pele, calor, frio, arrepio...
Tudo em escala.
Não dormir é como aquelas drogas inglesas
que se vendem com a promessa de ativar tudo. É estar entorpecida ao contrário,
no antônimo. É o corpo a gritar na calada, é abrir os olhos para o escuro.
Não dormir é uma praga que revira a alma,
causa dependência e estraga a noite, que é o melhor do dia.
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