Aceito com obediência e conformismo inconteste alguns sistemas: o solar, o eleitoral, o nervoso, o decimal...
Gosto dos cientistas. Eles ficam lá, lentes
convergentes a ampliar pequenezas e nos provar por A mais B algumas coisas. Não
discuto.
Também confio nas minhas análises sem método,
empiriquices que bordam minha vida e me desvendam caminhos. As vezes na mosca,
noutras mira muito errada. Vou indo...
Sempre tive dentro de mim a certeza de morte
prematura. Sei que essa é uma ideia que me assombrará mesmo que eu chegue aos improváveis
150 anos. Claro, século e meio é pouco para tratar das loucuras da cabeça e menos
ainda para correr mundo, correr perigo.
Eu, sedenta por natureza, continuei a
composição e virei também sedentária, fumo um cigarrinho, bebo uma coisinha
aqui outra ali, moro numa cidade que tem não sei quantos assassinatos por ano e
um monte de mortes no trânsito.
O IBGE, o Dr. Galbinski, os cientistas dizem
que não vou longe assim... A parte disso, bastaria um resto de construção
voando de uma marquise pra me levar dessa. Basta estar vivo, não é assim?
Bom, com esse pensamento, desenvolvi espécie
de hipocondria. Imagino que um tipo quase raro. Sempre acho que sou portadora de
todas as novas pragas, epidemias, doenças recém apontadas pelos amigos
de branco: na Índia há uma peste local se desenvolvendo e pimba!, já acho que
está por aqui também e que eu sou a primeira a ser carimbada com a dita cuja.
Um tipo novo de vírus lá numa tribo no meio da África e pronto!, consigo
imaginar mil maneiras d’ele chegar aqui, aqui em casa, aqui no meu quartinho
dos fundos onde batuco as derradeiras...
Esse pensamento neurótico mais o medo do
vexame de morrer tão moça é gatilho para o giro de 180 graus. Acabo alinhada ao
desprezo: já que tanta coisa perturba minha saudável vida, o melhor é não
tratar de doenças. Deixe que venham e que tomem esse velho corpo, novo e
decadente, e façam o que têm que fazer. Se alguma me matar, não estará fazendo
mais que sua obrigação.
Loucura? É bem assim que dou conta dos perigos
do mundo, das projeções científicas, dos finais dos tempos, do seguro de vida.
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