terça-feira, 3 de junho de 2014

dor elegante



Aceito com obediência e conformismo inconteste alguns sistemas: o solar, o eleitoral, o nervoso, o decimal...
Gosto dos cientistas. Eles ficam lá, lentes convergentes a ampliar pequenezas e nos provar por A mais B algumas coisas. Não discuto.
Também confio nas minhas análises sem método, empiriquices que bordam minha vida e me desvendam caminhos. As vezes na mosca, noutras mira muito errada. Vou indo...

Sempre tive dentro de mim a certeza de morte prematura. Sei que essa é uma ideia que me assombrará mesmo que eu chegue aos improváveis 150 anos. Claro, século e meio é pouco para tratar das loucuras da cabeça e menos ainda para correr mundo, correr perigo.

Eu, sedenta por natureza, continuei a composição e virei também sedentária, fumo um cigarrinho, bebo uma coisinha aqui outra ali, moro numa cidade que tem não sei quantos assassinatos por ano e um monte de mortes no trânsito.
O IBGE, o Dr. Galbinski, os cientistas dizem que não vou longe assim... A parte disso, bastaria um resto de construção voando de uma marquise pra me levar dessa. Basta estar vivo, não é assim?

Bom, com esse pensamento, desenvolvi espécie de hipocondria. Imagino que um tipo quase raro. Sempre acho que sou portadora de todas as novas pragas, epidemias, doenças recém apontadas pelos amigos de branco: na Índia há uma peste local se desenvolvendo e pimba!, já acho que está por aqui também e que eu sou a primeira a ser carimbada com a dita cuja. Um tipo novo de vírus lá numa tribo no meio da África e pronto!, consigo imaginar mil maneiras d’ele chegar aqui, aqui em casa, aqui no meu quartinho dos fundos onde batuco as derradeiras... 

Esse pensamento neurótico mais o medo do vexame de morrer tão moça é gatilho para o giro de 180 graus. Acabo alinhada ao desprezo: já que tanta coisa perturba minha saudável vida, o melhor é não tratar de doenças. Deixe que venham e que tomem esse velho corpo, novo e decadente, e façam o que têm que fazer. Se alguma me matar, não estará fazendo mais que sua obrigação.

Loucura? É bem assim que dou conta dos perigos do mundo, das projeções científicas, dos finais dos tempos, do seguro de vida.


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