segunda-feira, 30 de junho de 2014

a vaia da vaia da vaia


Hermanos, a vaia ao seu hino à capela não diz que lhes desrespeitamos ou não lhes admiramos. Vocês sabem como são as coisas em campo e na arquibancada, não pintam nossas relações exteriores, não falam de diplomacia, não se dirigem à vida real.

Vaiamos, porque hino à capela só defendemos o nosso!

Se ainda nos encontrássemos nesse torneio, asseguraríamos o respeito ao tempo oficial de seu hino, como fazemos com todos, depois disso, colocaríamos a boca no trombone a defender nosso território.

Não somos mal educados, nem lhes queremos mal. Recebemos todos vocês aqui com hospitalidade e suportamos felizes quando, de madrugada, alguns de vocês passaram sob nossas janelas no coro Chi chi chi, Le le le. Também não condenamos sua nação inteira por aqueles 85 que invadiram o Maracanã.

Há em nós, admiração por seu país, sua natureza, seus picos nevados, seus índices de IDH e até por seu futebol. Vaiamos parte de seu hino porque isso também faz parte do jogo, dos jogos, das arquibancadas, que por aqui vaiam até minuto de silêncio...

Nossas portas continuam abertas e nossa admiração por vocês segue inabalada. Queremos que voltem, que voltem sempre, que venham por motivo de futebol ou de férias, de trabalho ou descanso, sozinhos ou com suas famílias. Sentaremos lado a lado e festejaremos a alegria e tragédia de nossa mesma América.

Também queremos continuar a visitá-los e aproveitar o que seu país tem de tão farto, sedutor, sério e encantador.   

Que o chato do politicamente correto não invada nosso futebol e que possamos continuar em festa, sem preconceito, sem desrespeito, sem tanta seriedade a manifestar nossas venturas.

Acreditem, a vaia, ao fim e ao cabo, é uma homenagem torta, um jeito de dizermos que é preciso desestabilizar a confiança, de que tememos por nosso espaço. De que os respeitamos muito! 



a falta e a presença


Silvio,
Tenho lembrado muito de você!
Estamos todos aqui, a roer unhas, palpitar loucamente, vestir a amarelinha e sacudir bandeiras.
É época de Copa do Mundo!

Você me faz falta. Seus comentários sempre tão pertinentes e elegantes, seu jeito de contar as coisas “a bola rola na relva”, seu olhar cheio de poesia, suas mil piadas, o portunhol nas narrações...

Nem sei quantas vezes discutiríamos ou concordaríamos sobre mordidas, vaias, choros, craques e escalações. Você calmo, eu exaltada. Você sério, eu zombeteira. Você cheio de saberes, eu sua ouvinte. Você educadérrimo, eu mil palavrões.
Não sei se nos encontraríamos para as partidas ou se dividiríamos as opiniões pós-jogos no Stuart.

Sei que de uma forma ou de outra, nos recordaríamos de poesias e de músicas, de filmes e livros, de frases e versos.
Sei que levantaríamos brinde pelo amor da amizade e que gargalharíamos e choraríamos e teríamos emoção correndo solta.  

Por tua memória e homenagem, convocarei o escrete da velha família para assistir jogo na sexta-feira. E para você, brindaremos com sorrisos e nó na garganta e saudade sem fim.

Sinto sua falta. Também porque é época de Copa do Mundo!



meu sangue latino...



Sou dada a sensibilidades. Choro por tudo e por nada. Rio, gargalho, fico braba, me destempero. Há qualquer coisa em mim que me fez eternamente emocionada. Quatro décadas depois, já nem tento domar nada.

Entretanto, tenho consciência dos momentos. Não sou doida histérica, incapaz de sangue frio em situações que exigem pés no chão. Por muitas vezes, engoli em seco, levantei cabeça e tratei da realidade.
Acho que é assim que se faz. No momento crítico, na hora H, todas as faculdades em ordem; no cotidiano, no tanto-faz, espontaneidade de passarinho.

Isso dito, tratemos de futebol.

Há três coisas me incomodando demais nos últimos dias.
A primeira, a chatérrima crítica politicamente correta sobre a vaia da torcida ao hino do Chile. Olha só, o futebol não é baile de debutante. A torcida não vai até lá para o chá com torradas. Os adversários não são convidados especiais em festa de gala. Vaiar faz parte do papel da torcida. A vaia foi a sinopse de “aqui vocês não têm vez, esse é nosso território e aguentamos com respeito a execução do seu hino, qualquer canto à capela que vocês provoquem, rebateremos com vaias.”. Ora bolas! E esses anos todos a falar das mães dos juízes? E as composições e paródias que as torcidas criam para azucrinar clube adversário? E tudo que rola, que sempre rolou, em todas as arquibancadas do mundo até aqui terá que ser banido também, encaixando-se no chavão falta de educação?    

A segunda é a atuação da torcida nos 90 minutos e nos outros. Também me chateia o silêncio das arquibancadas, me dá tristeza não termos músicas, não formarmos coro durante o tempo todo. Mas, cá pra nós, ao observar vários amigos brasileiros em frente às TVs e palpitando por aí, percebi que a torcida de casa é exatamente igual ao do campo. Dois minutos depois do início da partida, já está praguejando o time, apontando os defeitos e profetizando o merecido fim. Quem reclama em casa, provavelmente se comportaria igualmente na arquibancada. Que inveja da torcida argentina!

E a terceira, o fim da picada, foi o desabamento dos nossos jogadores na hora dos pênaltis. Li nos periódicos “É uma pressão muito grande jogar em casa” / “Minhas pernas tremiam” / “Só minha família sabe o que passei até aqui”. Pô! Copa do Mundo é, deveria ser, lugar onde os fracos não têm vez. É preciso tudo de técnica e também de força moral para encarar o campo, para vestir a camisa, para engolir o choro e tratar da responsabilidade com dignidade. Depois, só depois, com a situação resolvida, a explosão de emoção. Caso contrário, de profissionais passam a amadores no tempo do soar de um apito.
Capitão que desaba, se isola e prefere não chamar para si a responsabilidade não é capitão. É menino que ainda precisa correr mundo, correr perigo para sacar a importância de ter pulso firme e auto-controle.


domingo, 29 de junho de 2014

futiba com os amigos



Como quem torce sozinha, sentei, puxei a ponta do cachecol perto da boca e cravei os olhos na TV. Primeiro hino, segundo hino, fotografia oficial e a mão da anfitriã esticou taça de vinho.

A bola rolou enquanto eu ainda sentia o coração pulsando na veia do pescoço. Primeiro gole, cabernet sauvignon, e a piada que acusava o humor do dia – era o Chile o adversário.
Nem soube fazer graça, não pude devolver a gentileza. Os nervos estavam tão dedicados que até parecia que o assunto era sério, imprescindível.

Fui convidada para participar da festa da Copa da casa da Rose. Eu não vi direito, mas acho que ela montou um menu para todas as preferências: caldinho de feijão, nhoque, rondeli, frango, torradas, patês, rúcula, palmito, amendoins, azeitonas, torta, sorvete, outra torta, outro sorvete... Ah! E como a Rose nos trata bem, um mimo aqui, um paparico ali, uma risadinha acolá, completa-se a taça, declara silêncio em respeito aos bobos, como eu, que insistem num xiiii enquanto os amigos conversam.
A Rose sabe bem que quando alguém está entregue à emoção, sem capacidade de raciocínio, o melhor é fazer de conta que aquilo é normal e seguir com suas habilidades curativas, completa-se a taça.

O jogo passou por nós como um caminhão esmaga um tênis velho no meio do asfalto.
Lá pelas tantas descobri que em nossa plateia havia um alemão, que tinha família chilena e logo declarou sua preferência. Chi chi chi, le le le. Me agarrei com mais força aos amuletos, perder seria ruim, perder na frente dele, a humilhação total.
Só saí desse pensamento mesquinho quando o telefone da casa tocou. (Quem liga na hora do jogo, naquela hora de um a um e tudo indo pelo ralo?). Incentivado, o alemão atendeu o telefone e me deu aula de bom humor. Narrou em seu espanhol sotaqueado o jogo que gostaria de estar assistindo “Hola. Estamos todos muy nerviosos. El juego es tensa y la televisión brasileña no muestra la verdad! Ahora, Chile gana por 4-1. Nación chilena celebra y se divierte, pero la prensa brasileña manipula el resultado. Herzlichen Glückwunsch an Chile!”. Do outro lado da linha, silêncio absoluto. Não sabemos até agora quem recebeu notícia tão inédita.

A Rose abriu outra garrafa.

Quando chegamos aos pênaltis, nervos em frangalhos, Lila, a cachorrinha, passeava de colo em colo, sabia que tinha efeito calmante e se estabelecia por minuto e meio com quem que lhe parecia mais descontrolado.  
Pensei em nosso goleiro. João Debs me tranquilizou: “Calma, a Cesar o que é de Cesar”.            
    
O jogo acabou em abraços, comemorações e planos. A chuva caiu firme lá fora e chegou-se à conclusão que depois de secar os chilenos, era hora de caipirinha. 

foto de Albari Rosa / Gazeta do Povo

sexta-feira, 27 de junho de 2014

todas as cores



Ilana,

Ao ler o que você escreveu no seu tão bacana Pensamentos Imperfeitos fiquei com vontade de contar sobre o que aconteceu nesse canto da cidade.

Pode ser que a Copa tenha encerrado as atividades por aqui. Talvez. A Arena fechou os portões, a Pedreira ainda faz convite. Hoje o céu nublou, as nuvens cobriram tudo e a meteorologia diz que as coisas vão mudar. Pode ser, talvez.
Mas até agora, do lado de cá, enfrentamos o campeonato com simpatia, bom humor e entrega. Por aqui, a cidade se pintou: cortinas ganharam estampas de estandartes, carros sacudiram bandeirinhas ao vento, pendões por todos os lugares. As gentes do mundo andaram pelas ruas, fizeram poses pros retratos, lotaram bares e restaurantes, exibiram suas cores pátrias em roupas e línguas.

Uma multidão tão diferente rodou pelo meu triângulo de circulação, Bigorrilho, Centro e Mercês, que até cheguei a pensar, imagine, que estava numa cidade grande, cosmopolita. Em algumas vezes cometi a ridicularia de deixar meu inglês de ginásio fugir da boca.   

Meus olhos acompanharam devagar os nômades que fizeram da nossa província parada obrigatória no corredor dos cartões internacionais Rio-Foz.  

Nos dias de jogos, Ilana, as festas foram tantas e tão lindas, que torço por um documentário só sobre elas, sobre as ruas, sobre as gentes que caminhavam para o estádio sem saber direito o endereço, mas eram puxadas para o Joaquim Américo feito aquela agulha que esfregávamos na roupa para virar bússola, lembra? As pessoas se misturavam, cada turma com sua música, numa corrente universal que marchava numa única direção. Exército colorido e feliz.

Fui a um dos jogos. E essa lembrança estará comigo até meu último dia.
No caminho, até o ar blasé tão curitibano virou fumaça. Topetes se transformaram em sorrisos, silêncios em histórias, distâncias em fraternidade. Tudo nas ruas, Ilana, tudo em todos. A grande festa da Copa é capaz de converter até o mais sério dos polacos... A gente ia andando no meio da rua, rua sem carros, com emoção maior do que aquela de criança em véspera de natal. Coisa linda de ver. Maravilha de sentir.

Dentro do estádio, nem te conto, porque não quero chateá-la com carta maior que minhas possibilidades de comunicação, mas quando o sistema de som anunciou o o tamanho do público das arquibancadas e apareceu no telão o número 39 mil e pouco, todos nós aplaudimos e gritamos e acho que todos choramos por nos sentir protagonistas de um grande momento.
Não há razão, Ilana, é só a emoção bruta correndo por todos os lugares. E o olhar da gente fica diferente, alheio.
Aprendi que Copa do Mundo tem 10% de futebol o resto é tudo que se pode. Até para nossa Curitiba. 


terça-feira, 24 de junho de 2014

minhas amigas



"A amizade é um amor que nunca morre"
(Mário Quintana)

Tantas vezes eu ouvi a sentença boba de que não existe amizade verdadeira entre mulheres... Esse pensamento primário, burro e de tão maldoso chega a ser ingênuo, só pode ser disparado por quem não conhece sobre as coisas da alma, principalmente da boa alma feminina.

Eu tenho a sorte de ter grandes amigas! Mulheres maravilhosas que me emprestam um pouco do que as ilumina para clarear meus caminhos. Cada uma a seu jeito, cada qual no seu tempo.

Não exijo nada nem elas me exigem. Apenas nos encontramos nos momentos precisos: levantamento de brinde, separações, falta de grana, viagem a passeio, ajuda com os filhos, escolha de roupa, troca de segredos, gargalhadas sem fim, indicação de leitura, troca de figurinhas, banho de mar, conversas por telefone, missivas manuscritas, encontros em bar, permuta de receitas, pasmaceira. E tudo que orbita a vida.

Minhas amigas são o perfume do amor. Elas trazem sempre a mão estendida e quando partem deixam as palavras a ecoar em aroma.

Algumas são muito presentes e, atentas, sondam minha vida como guardiãs de minha felicidade. Outras, são pau pra toda obra, mas só aparecem quando solicitadas. Há também aquelas de ocasião, muito grudadas por um tempo, por um assunto e depois somem no mundo, mas isso não tira nem derrota o sentimento verdadeiro – a amizade pode ser sentida por cinco minutos ou por uma vida inteira.

Tenho amigas que me chamam por mil apelidos Adri, Dri, Drica, Adrizinha, Adrianinha, Driquinha, Adriana, Mulher, Guria, Amiga, Amiguinha, Animal, Total, Adrinalina, Neguinha...
Me importa que elas sempre me chamem!

Falando assim, parece que elas são muitas. E são! Cada uma tem uma multidão dentro de si, um exército para disparar contra meus dias menores e os sentidos (principalmente o sexto) multiplicando suas e minhas possibilidades.

Não tenho a necessidade de passar por inacreditáveis perrengues para que uma amizade seja provada. O testemunho do sentimento está no olhar, na palavra, na presença, no reconhecimento.

Amo minhas amigas e o sentido que elas dão à minha vida. Adoro poder melhorar a vida delas também.
Somos almas que nos encontramos e nos entrelaçamos para que o amor possa ser mais! 

Como alguém pode duvidar disso?





sexta-feira, 20 de junho de 2014

100%

O futebol do estádio é melhor que da televisão. É óbvio. Não tem narrador chato, não tem câmera colada na bola, não tem comentário idiota.

Tem vida, tem torcida, tem o campo todo... a gente vê o goleiro solitário lá do outro lado, o bandeirinha dando uma espiadinha na arquibancada, a multidão cantando, vaiando, gritando, bebendo.

Puxa! Dá nó na garganta quando onze marmanjos ficam cabisbaixos com gol adversário e, entre tristes e humilhados, levam a bola pro centro enquanto observam as dancinhas comemorativas. 
Também tem a mulher que em euforia joga copo de cerveja pra cima e inicia confusão. 

Há aquele que não pára de cantar um minutinho e o que se enrola em silêncio no rosário. Há festa de troca de camisas entre torcedores. 

No estádio tem emoção de tudo quanto é tipo, o tempo inteiro. Quando os olhos saem da bola há o futebol a ser observado de outro jeito: o que faz o zagueiro lá do outro lado quando todo mundo está do meio-campo pra frente? que que acontece com as bandeiras quando não estão estendidas a cobrir a torcida? onde começa a ola? quantas bolas tem em volta do campo? qual é a cara do pessoal da segurança que fica de costas pro jogo com os olhos no povo? quais músicas são cantadas? 

A gente vê e ouve o que a TV não mostra. 
No estádio, a gente vê o futebol inteirinho, completo, exibido. 

humores de futebol


Leio sobre futebol. Sou trocada pelo futebol. Atenções que queria vão para o futebol. 
Lembro que sempre sou mais importante na época em que os campeonatos acabam. Sobra espaço, diminui a concorrência. Não sou o tipo de lutar em afluências... 
Gosto do esporte, das nuances, da variedade. Gosto dos estádios e de alguns jogadores. Gosto de uns times, combinações de cores e palavras de hinos. Mas acho um desaforo ter minha atenção diminuída. 
Em tempo de Copa do Mundo, também fico vidrada na bola rolando, mas ainda acho que sou mais importante que o Messi ou o Fred ou qualquer outro que está tão longe das mãos. Tenho cinco minutos de revolta e praguejo tudo. Depois me recomponho e volto pra frente da TV e me esbaldo em torcida, vibração e comentários... 

Pra mim, tudo acaba em música, em samba e amor. Por isso, a coluna na revista nesse mês é sobre música e futebol. 
Dá uma passadinha ...


domingo, 15 de junho de 2014

a Copa e todas as gentes

Há um mar aqui. E esse mar é colorido, fala várias línguas, tem muitos hábitos e pinta a paisagem com hinos e gargalhadas.

Nunca gostei de multidão. Nunca me senti tão bem com tanta gente por perto. 

Não há possibilidade de caminhada qualquer que dure mais que dois metros sem sorriso. As gentes do mundo são divertidas, de bem com a vida, leves, felizes. Todas as gentes estão dispostas à comunicação, à solidariedade, ao papo de Babel de falar de um jeito e ouvir de outro. 
Todas as gentes do mundo se encontram e dão as mãos e fazem poses para os retratos e contam um pouco de si. 
Não há fronteira, limite ou noção do ridículo. As gentes do mundo estão dispostas à felicidade. 

Mutante, hoje, suíça, francesa e argentina. 
Serei suíça porque os conheci simpáticos, gentis e cheios de pontualidade nos sorrisos debaixo da asa direita do Cristo. 
Francesa! Certamente serei francesa! Porque estou a provar na pele o simples significado de liberté, egalité, fraternité. Serei francesa sempre - sempre que for possível, sempre que isso não machuque minha vida verde e amarela.
Argentina, sim senhor! Torcerei para Argentina, porque desde que cheguei por aqui há um grupo de 57 torcedores que me acompanha dia e noite. Eles se revezam em lugares, horários, condições. Onde estou, estão. Para onde viro a cabeça, os enxergo, ouço e converso. Antigamente os achava uma praga a brotar nos lugares, hoje, sou contagiada por eles. 
Hoje, só por hoje, torcerei para Argentina. 

E como aqui não é preciso saber nada de futebol para ter direito a fala, sigo com meus palpites:

Suíça e Equador: 2 - 1
França e Honduras: 3 - 1
Argentina e Bósnia e Herzegovina: 4 - 1

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Rio que mora no mar



Já falei mil vezes, repito: feliz do passageiro que consegue ouvir do comandante “Dentro de instantes pousaremos no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim”. Minha alma canta...

Cheguei, chegamos. Aflora em mim todo o imaginário sobre o Rio de Janeiro, aquele que Bandeira citou na crônica sobre Sinhô, de “alma estóica, sensual e carnavalesca”. 

Eu adoro o Rio, adoro os cariocas, o sotaque que parece um Transistor fora de estação, a leveza em bermuda e Havaianas, o jeito descolado, a sacanagem no olhar, as meninas em cor de bronze.
Os cariocas são tão sexys...

O caos da Copa está por todos os lugares: aeroporto lotado, trânsito impossível, bandeirinhas verdes, bandeirinhas amarelas – se Volpi estivesse por aqui enlouqueceria. Há também os malucos que se vestem com as cores pátrias, os que penduram bandeiras nas sacadas e os que seguem firmes e engravatados para o trabalho – esses devem ser paulistas transferidos.

E o mar? Ah! Que maravilha de limite para uma cidade! Ter o Atlântico como parte de fronteira deixa tudo com cara de final de semana, de férias, de passeio. Acho que é por isso que, para quem está ou passa, a palavra de ordem é relax.

Provinciana, me maravilho a cada dobrada de esquina na cidade mais linda do país; depois de Antonina, claro. O Cristo continua lá, em pose-cruz, olhos para um lado, costas para outro, como todo guardião.
Os morros desenham a geografia e abraçam a cidade no movimento-estático, na onda-reta, no escuro-brilho, no envolvimento-libertação. 

Conto os segundos para me chacoalhar no samba da Lapa, para caminhar pelo centro antigo, beber no Villarino, comer no Fiorentina, subir Santa Teresa até o Chácara do Céu... 

Rio, teu mar, praias sem fim. Rio, você foi feito pra mim!


domingo, 8 de junho de 2014

justeza

toda mulher deveria ter um amor a lhe chamar de princesa,
e esse amor lhe pentear os cabelos
e lhe depositar flores frescas no colo
e beijar sua mão
e segurar-lhe nos braços
e pintar-lhe em quadro
e esquentar seus pés nas noites frias

toda mulher deveria poder, uma vez, se entregar sem medo
e receber doces e brilhantes,
e rir com graça para os feitos do amado

toda mulher deveria ser amada por seus modos femininos,
e suas variações de felina
e nadar nas próprias águas 
e estampar notícias de jornal em declarações de amor

toda mulher deveria ter um homem para amar
e lhe convidar ao devaneio
e lhe improvisar jantares em jazz
e sabe-lo mais importante que todas as estrelas

toda mulher deveria amar o mesmo homem por uma vida inteira
e transformar a eternidade no dia de hoje
e lhe confessar, na ponta dos dedos, os sentimentos
e fazer convite à maré cheia e à lua nova
e lhe sentir sol de meio dia

toda mulher deveria conhecer o amor nos olhos do amante
e lhe servir de espelho

sábado, 7 de junho de 2014

de leve



No sábado de chuva me tranco aqui no quartinho e inicio texto. Um texto sem motivo, sem musa, sem muita vontade. Tenho todas as teclas disponíveis e uma vaga ideia de tratar de manhãs pacatas.

A alvorada é de silêncio e todos os tons de cinza meio tristes. As árvores vizinhas tingem minha janela, as árvores vizinhas que reluzem verde molhado e formam condomínio para alguns passarinhos que, preguiça, piam tímidos.

Fritz Kreisler empresta sua criação, em prelúdio e allegro, e um cortejo de violino me embala as primeiras horas.

O cão vem, deita quietinho com a cabeça no meu pé-travesseiro.

No chiar da chaleira lembro do chá – e das aliterações.  

Atrás da fumacinha da caneca, o meu telefone, que não toca, não assobia, não indica que eu seja lembrança de algum velho amigo a me desejar bom dia. A solidão da manhã é a solidão de uma vida inteira e ela não me maltrata, só se apresenta cheia de quietude e sossego.

Lembro de Martha Medeiros “A cada manhã, exijo ao menos a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não. Expectativa, por si só, já é um entusiasmo” e penso nas esperanças do dia, nas esperanças da vida.

Há flores em casa e isso é o que importa. Desisto do texto e sigo a aproveitar o violino, os passarinhos, as flores e a esperança. 
A vida é boa!




sexta-feira, 6 de junho de 2014

desde 1954



Estava sentada no Caruso, a espera de que a vida me fizesse carinho em forma de café e banoffee.
Puxei livro, que é boa companhia para guloseimas ao mesmo tempo que mantém distante as conversas que não me interessam.
Torta, moca, prosa, tempinho sem-vergonha lá fora. Não tinha jeito da vida ser melhor. Tão bom passar uns instantes num café madeirinha e saber desse prazer...

Um senhor elegante, com pinta de aristocrata falido nas posses e convincente nas maneiras, se aproximou. Deslizou oito dedos estendidos na outra cadeira que compunha o jogo inteiro da minha pátria, olhar fixo, voz de galã:
- Você já veio aqui antes, né?

Eu vou lá desde antes lá ser lá. Muitos e muitos cafés atrás, frequento o Caruso da Carlos de Carvalho, número dos primeiros da rua.
Respondi que sim, várias vezes, e segui minha vida. Ele voltou para sua ocupação original, terminou cafezinho e picou a mula. 

Eu, que há muito já não sei mais como rola um flerte, um início de conversa, fiquei espantada ao conferir que tantos anos depois, para mim e para ele, o mote da paquera ainda é “Você vem sempre aqui?”. 


quinta-feira, 5 de junho de 2014

o bate-bola no meu coração


Eu não entendo lhufas de futebol. Mas pelo menos nego a ignorância total ao afirmar que sei o que são impedimento, escanteio e zona do agrião - na vida e no campo. Conheço as básicas e oficiais regras: onze pra cada lado, uma bola, só dois podem colocar a mão, objetivo da grande maioria é o gol. 

Não tenho time, se tivesse seria o Vasco, porque gosto do hino ou o Inter de Milão, porque acho a Lombardia chiquérrima ou o Fluminense, porque é simpaticíssimo o apelido Tricolor das Laranjeiras ou, ainda, o Dínamo de Kiev, para honrar o sobrenome ucraniano.

Apesar desse distanciamento, ou justamente por causa dele, o estádio é o lugar que mais me diverte: comidinha deliciosamente vagabunda, cerveja no copo, palavrão sem pudores, comunhão com centenas de desconhecidos, batucada comendo solta, radinhos de pilha, emoções à flor da pele. 
Nos primeiros minutos, reconheço espetáculo e me maravilho nos detalhes. Os recortes do todo são universos cheios de poesia, de beleza, de distrações. Tem coisa mais bonita que ver uma multidão com coração em uníssono cantando uma besteira qualquer? Ou um homem agarrado em terço e camiseta chorando feito menino? 
Depois de alguns instantes de bola rolando, fixada no jogo, me entrego às cores da arquibancada eleita e sou torcedora desde o primeiro dia daquele lado. Grito, xingo, me descabelo, não poupo mães alheias e, para mim, não há nada mais importante que o gol - e até acho que ele depende de mim, faz parte da vida do torcedor saber de seus poderes sobrenaturais ao usar a mesma camiseta, assistir ao jogo de um único jeito sempre ou qualquer outra coisa séria dessas que os sem sorte chamam de superstição. 

Não tenho time, não entendo nada do assunto, não acompanho noticiário esportivo e acho que nem gosto de futebol. Mas ir ao jogo é o maior barato!

É disso que estou falando:






terça-feira, 3 de junho de 2014

dor elegante



Aceito com obediência e conformismo inconteste alguns sistemas: o solar, o eleitoral, o nervoso, o decimal...
Gosto dos cientistas. Eles ficam lá, lentes convergentes a ampliar pequenezas e nos provar por A mais B algumas coisas. Não discuto.
Também confio nas minhas análises sem método, empiriquices que bordam minha vida e me desvendam caminhos. As vezes na mosca, noutras mira muito errada. Vou indo...

Sempre tive dentro de mim a certeza de morte prematura. Sei que essa é uma ideia que me assombrará mesmo que eu chegue aos improváveis 150 anos. Claro, século e meio é pouco para tratar das loucuras da cabeça e menos ainda para correr mundo, correr perigo.

Eu, sedenta por natureza, continuei a composição e virei também sedentária, fumo um cigarrinho, bebo uma coisinha aqui outra ali, moro numa cidade que tem não sei quantos assassinatos por ano e um monte de mortes no trânsito.
O IBGE, o Dr. Galbinski, os cientistas dizem que não vou longe assim... A parte disso, bastaria um resto de construção voando de uma marquise pra me levar dessa. Basta estar vivo, não é assim?

Bom, com esse pensamento, desenvolvi espécie de hipocondria. Imagino que um tipo quase raro. Sempre acho que sou portadora de todas as novas pragas, epidemias, doenças recém apontadas pelos amigos de branco: na Índia há uma peste local se desenvolvendo e pimba!, já acho que está por aqui também e que eu sou a primeira a ser carimbada com a dita cuja. Um tipo novo de vírus lá numa tribo no meio da África e pronto!, consigo imaginar mil maneiras d’ele chegar aqui, aqui em casa, aqui no meu quartinho dos fundos onde batuco as derradeiras... 

Esse pensamento neurótico mais o medo do vexame de morrer tão moça é gatilho para o giro de 180 graus. Acabo alinhada ao desprezo: já que tanta coisa perturba minha saudável vida, o melhor é não tratar de doenças. Deixe que venham e que tomem esse velho corpo, novo e decadente, e façam o que têm que fazer. Se alguma me matar, não estará fazendo mais que sua obrigação.

Loucura? É bem assim que dou conta dos perigos do mundo, das projeções científicas, dos finais dos tempos, do seguro de vida.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

um viva para Ana Paula


É evidente que fiquei sem assunto. Um dia inteirinho dedicado à cama e ao prazer da coberta quentinha acabou por hibernar os neurônios. Todos dormiram tranquilos e nem tomaram conhecimento das voltas do pensamento.
Resolveram, em greve de inverno, não fazer conexões.

Pois hoje, segunda-feira fria, eles voltaram cambaleantes na ideia fixa de voltar escrever para crianças. Reúno papeis, revejo antigas anotações e me enfio no escritório. Qual o primeiro nome que me aparece? Ana Paula Peters! Com ela eu já viajei um milhão de projetos imaginários, ideias mirabolantes, planos de conquistar o mundo.

Deixo o pensamento fluir solto, sem caminhos pré-planejados. Quem eu encontro no meio do devaneio? Ana Paula Peters! Que é figurinha maluca o suficiente para embarcar em qualquer ausência de razão.

Fixo os pés no chão e entendo que qualquer vontade a respeito do assunto necessita de seriedade, solo firme, terra fértil e cuidado com planejamento. Quem pode me ajudar nisso? Ana Paula Peters!

Acho que a Ana é minha alma complementar nessa empreitada. Ela tem a medida certa entre o sonho e a realidade, a quimera e a verdade. É responsável a ponto de poder sonhar e louca o suficiente para concretizar.
Do muito e do pouco que conheço, me maravilho com seus olhos brilhando, seu sorriso fácil e sua disposição para a vida.
Menina, doutora, mãe, professora, historiadora, musicista, Ana é minha companheira de almoços gostosos, de papos soltos, de vida que segue independente sem a frequência que eu queria, mas sempre com a grande possibilidade do reencontro.

A pensar em tudo isso, fui fuçar seu perfil no Facebook e descobri, maravilhada, que hoje é seu cumpleaños.

Que beleza, hein, Ana? O acaso está me dando sinais. Vamos almoçar?