há 19 consultas conheço o Dr LC; sabemos pouco um do outro, mas o fundamental para conversas prolongadas, consultas fora do padrão 20 minutos do plano de saúde, papos sobre o que lhe brota.
ele tem mais que o dobro da minha idade e é especialista não só na sua escolha médica. sabe muito da vida e dos comportamentos. gosto de ouvi-lo.
dia desses me contou que escorregou no banheiro e se estabacou no chão. grande perigo em qualquer tempo, aos 84 nem se fala. falou da imprudência: "o telefone estava a tocar e eu saí desembestado para atender". justificou a imprudência: "a cabeça da gente pensa de um jeito e o corpo já não responde mais como antes".
por que será que para algumas coisas a experiência é transformadora e para outras não?
vejo por aí senhoras, avós, passadas dos 65, a desfilar em minissaias que não ficariam bem nem aos 15. homens a pintar cabelo como se fossem Silvio Santos. cinquentões em discursos pseudo-comunistas que tinham certo sentido na adolescência. motoqueiros tardios usando calças justas que lhes apertam as partes e sobressaem a barriga.
e eu. me olho no espelho e não acredito que o tempo passou tão depressa que nem percebi que não sou mais menina. muita coisa mudou dentro de mim, mas tem uma boa porção que continua na mesma.
é difícil saber da contagem dos hormônios, da leitura do colesterol, dos ossos com aspecto de Suflair. é estranho me olhar no espelho e ver rugas e cabelos pálidos e mesmo assim enxergar dentro dos olhos a essência de sempre. é como se eu estivesse em outro corpo...
aprender envelhecer, se preparar para a morte, ser consciente da finitude deveriam ser assuntos obrigatórios nas rodas, nas escolas, nos meios. sem nenhum tipo de tabu (detesto essa palavra!) ou depressão, só tratados com a mesma naturalidade com que falamos da profissão, da infância, do filho, do futebol.
talvez a vida fosse mais ampla, os sonhos mais possíveis e os problemas menores se a consciência do tempo e suas marcas estivessem para nós com a mesma simplicidade dos outros assuntos que nos compõem.
de uma forma ou de outra, estamos todos a tentar enganar os ponteiros e a acreditar que temos ainda muito tempo.