Chove muito aqui. Quase todos os dias. E
quando não chove, tudo é meio acinzentado durante o dia e um tanto iluminado a
noite. É raro tempo sem nuvens, terra seca, corpo ao sol.
O bom, é que todas as gramas são tão
verdinhas que a do vizinho não causa inveja. O chato, é ter que andar sempre
com acessório: se não é capa, é sombrinha; se não é galocha, é guarda-chuva.
Raro que as meninas ousem em vestidos
floridos e sandálias abertas.
Nunca há aquele cheirinho gostoso de terra
aos primeiros pingos, ela está sempre encharcada a contar que existe nas
pegadas que deixamos pelo corredor.
Mesmo assim passo protetor solar todos os
dias. Dizem que o sol atravessa o lençol e pega na gente. Eu duvido que aqui
tenha sol, bola de fogo a boiar no céu, mas passo o protetor feito reza que se
pratica antes de sair para as primeiras aventuras.
Me disseram que os homens aqui não são
bonitos porque sempre estão na condição de sapo. O dia em que o sol fizer vista
eles largarão essa vida de banhado e se transformarão em príncipes.
Há também o problema de não olhar direito
para as pessoas. É difícil porque a gente sempre tem que estar a prestar
atenção no chão para não pisar em poça ou escorregar em lama e quando a cabeça
se ergue, os olhos cerram involuntários para se proteger da água. Não se vê
direito quem vem.
As mãos, ocupadas com a parafernália que
forma armadura ou, em instinto, cruzadas diante do corpo a proteger sabe-se lá
o quê, não se estendem em felicitação.
Por aqui, sempre damos um passo pra trás,
tudo é ameaça constante: o carro que passa na água acumulada, a sombrinha que
insiste embaixo da marquise, o vento que arrepia todos os fios, a goteira que
sempre cai e é sempre inesperada.
Esperamos pelo dia de sol, tem vezes que ele
chega a noite, a nos proporcionar estrelas; noutras cai num domingo e permite
estender as roupas no varal.
Em terras que há sol as mulheres, os homens,
as crianças e até os velhos ficam cor de bronze. Nós vamos ganhando um tom
amarelado, pálido, pastel.
Nos lugares de céu azul as os velhos, as
crianças, as mulheres e até os homens se deitam em parques e redes e riem e
conversam e fazem novos amigos. O clima nos provoca, chovemos nossas angústias
diárias, trancamos as janelas, despedaçamos as soleiras, transformamos praças
em ruas.
Quase não há lixos nas ruas porque não
andamos por elas e as janelas dos carros estão sempre fechadas, todo o despejo
é feito pra dentro.
Colecionamos objetos inseparáveis, a cada ano
uma novidade chega para o grande museu molhado: galo no telhado, ponteiros na
parede, limpador de pára-brisa, umbrela, desembaçador de vidros e espelhos,
anti-mofo, secadora de roupa.
Trabalhamos muito, trabalhamos o tempo
inteiro, trabalhamos pelo mundo, trabalhamos sobretudo para ver se o tempo
passa rápido e se uma migalha de raio dourado nos chega para nos esquentar o
rosto e aliviar a alma.
Mas enquanto isso não acontece, trabalhamos e
reluzimos e refletimos em pingos, gotas, somos orvalhos constantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário