Por conta da Coleção MPB para Crianças, há alguns anos me aventuro no prazer de apresentar ao público infantil artistas de nossa música. É trabalho sério, que me proponho porque acredito no que ele representa a respeito da memória, história e da identidade brasileira. É também trabalho cansativo, que precisa de perseverança e força para lidar com o bombardeio que vem em sentido contrário.
De Santa Amélia a Aracaju, de Florianópolis a
Brasília, de Londrina a Recife, fui para muitos lugares na labuta de contar
sobre Noel Rosa, Pixinguinha, Elis Regina, Tom Jobim... A coleção chegou à
Feira do Livro de Paris, se tornou parte de um kit que o Ministério das
Relações Exteriores entregou em grande parte de nossos consulados para conhecimento
dos brasileirinhos que estão espalhados pelo mundo. E também entrou como
material pára-didático em escolas.
A história de cada artista, por si só, é
interessante e atrativa: aventuras, contradições, superações. Sei que as
crianças gostam porque ficam com os olhos vidrados quando ouvem sobre as
maluquices de Ary Barroso ou sobre as dificuldades de Carmem Miranda.
As informações têm filtro, claro, não dá para
largar um tijolo de biografia na cabeça dos pequenos. Mas as que constam em visitas,
palestras ou nos livros são fieis, verdadeiras.
Na hora de ouvir as músicas, invariavelmente,
ocorre um estranhamento geral. Não é fácil, nos dias de hoje, se entregar ao
chiado dos bolachões da primeira metade do século passado. Respiro fundo, aumento
o som e tasco Noel cantando. Risadas, torce-torce de nariz, piadas e sempre o
mesmo fim: por que ele cantava desse jeito?, por que o som está tão ruim? Com
isso, nova viagem de informações começa e percorremos juntos as novidades
tecnológicas de cada década e chegamos à parafernália que temos hoje. Duas
histórias de uma vez só. Contentamento quase unânime.
Há também a dificuldade do vocabulário.
Entender tudo o que nosso Ary quis dizer em Aquarela do Brasil, por exemplo, requer
esforço. E é isso que fazemos, as crianças e eu nos debruçamos em dicionários
para descobertas, para decifrar metáforas, para aumentar o vocabulário e com
isso entender que uma música sempre quer contar alguma coisa - é preciso atenção, ouvidos de ouvir.
Essa é a hora da grande oportunidade de sacar
um jeito de escutar música, de entender mensagens, de ler em entrelinhas, de fazer a
escolha entre “Agora eu
fiquei doce igual caramelo
/ Tô tirando onda de Camaro amarelo” ou “Enquanto houver Brasil, na hora da comida / Eu sou do
camarão ensopadinho com chuchu”.
A tal da Patrícia Secco, de quem não sei mais
do que sua vontade de fazer com que um dos nossos maiores nomes da literatura rasteje em sua
pouca possibilidade com o ofício que escolheu, poderia gastar seu tempo com a
bolação de tática para elevar o nível de ensino e conteúdo.
Uma história não é apenas os fatos, é principalmente,
como eles são contados.
Horrível pensar que o indiscutível Machado,
que atravessa os tempos nos dando infinitas aulas de escrita, de técnica
literária, de genialidade com a palavra possa se perder na mediocridade de uma
escola analfabeta, pior, que para isso conte com os incentivos federais, com a nossa grana.
Perdão, Machado, eles não sabem o que dizem,
o que fazem, eles não sabem nada.
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