Sempre amei feito ampulheta. A areia que caía era a rotina ordinária que ia matando, devagarzinho, todo o sentimento. Umas demoraram mais a escorrer, outras deslizaram feito água. Sabia que o fim tinha hora para chegar e ficava observando o conta-gotas do tempo.
Entendi que, como tudo na vida, o amor tem
começo, meio e fim.
Alegrava-me os começos: flores na porta,
cartões inesperados, declarações constantes. Olhos em brilho, faces coradas,
roupas novas. Corpos ardendo.
Quando alcançava o topo, a alegria absoluta,
já sabia, era hora da descida. Com medo dos dias que viriam depois, me fechava
e me preparava para a derrocada.
O final se aproxima lento, manhoso, cheio de
artimanhas e dúvidas. Vem andando feito raiz de árvore agarrando os pés, a alma.
Faz perder o sono. As unhas ficam sem esmalte e só se enxerga em mono. Ele dá
voltas, mas chega um dia e se anuncia.
Lágrimas, juras inversas, o avesso. As vezes
o avesso do avesso.
Mas uma ampulheta sempre pode ser virada. E o
que está lá no fundo tem chance de cair de novo. Algumas vezes fiz a manobra. A
lógica é a mesma quando o vidrinho alcança os 180o. A areia escorre
e tudo se repete.
Cansei.
De agora em diante, a ampulheta do amor não
faz mais parte de mim. Entrei numas de não ter cronômetro para o fim, de não
ter fim, de embarcar no feliz para sempre. Quem se arrisca?
Então o 'feliz para sempre' significa o "não amar"?? Gostei, ótima tradução dessa variante de relação humana...
ResponderExcluiro não-amar pode combinar muito bem com o feliz para sempre. mas tenho cá pra mim que o amar-sempre é melhor opção, mesmo que sempre signifique só hoje.
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