sábado, 30 de agosto de 2014
variações de solidão
há um lugar na minha cabeça em que me refugio as vezes.
para as noites de insônia, para as manhãs de chuvosas novidades, para qualquer tempo em que precise ligar radiola e esquecer dos barulhos do mundo.
foi hoje, logo hoje, dia de lua de mel, que me tranquei e me escondi em mim mesma. não de propósito, não por escolha, não por vontade. só escorreguei pro lado de dentro a caraminholar as variações de sentimento.
a saudade é coisa perigosa. de repente se encaixa sem sobras no espaço do todo e não permite nenhum outro pensamento. só quer saber de revirar lembranças.
nada de específico: um sorriso, uma frase, um apelido, um presente... qualquer fio se transforma onipresente e se instala no olhar e nas palavras. paisagem, frase, lugar viram o gatilho para olhar melancólico, úmido, sem disfarce.
um ou outro choro, conversa amiga e a lua de mel continua...
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
mon coeur qui bat
dois dias antes de viajar, caí na pracinha em frente de casa e torci o pé. o outro. o primeiro é todo errado desde os meus 15 anos, volta e meia dá sinais de suas mágoas e revolta-se em inchaços, bobeiras e dorzinhas.
agora, o esquerdo inventou que tem o mesmo direito e depois de um tempo de marcha, ele me cochicha na orelha que quer ficar quietinho, que gosta de se espichar pra cima, que, se quiser, pode gritar mais que o outro.
mesmo assim não me entrego. caminho horas, quilômetros. caminho há dias. caminho sem trégua. caminho mil léguas...
e nessa loucura desenfreada, nessa maluquice descabida é que tudo acontece. o meu movimento é o lugar onde tudo acontece.
enfrento os quilômetros do mundo com a cabeça tão livre e o olhar tão atento pro lado de fora, que sobra espaço para que meus pensamentos e sentimentos se ajeitem - placas em baixo da terra que provocam terremotos para as calmarias futuras.
é bom assim, eu gosto.
quem diria que seria dentro do D'Orsay, o museu mais encantador do mundo, que me cairia a ficha sobre pendenga tão antiga que eu já nem pensava mais?
ou que ao percorrer campos elísios e reparar tanta variedade, eu iria chegar à conclusão tão óbvia e bonita sobre minha vida?
ou, ainda, quem diria, quem diria que enquanto a maravilhosa arquitetura do sete passeava em volta de mim, eu teria ideia tão bacana?
assim, entre um arrondissement e outro, é que acontece o paradoxo mais sensacional: a alma se infla com o novo, a cabeça ferve de ideias, as retinas se carimbam com imagens, a cabeça ganha outras informações, há conhecimento se formando. e também, acontece a ressurreição e morte definitiva de antigos assuntos, o assentamento de problemas, a solução de causas e coisas, vai para o lixo o que não serve.
mas tudo assim, tipo bossa nova, muito natural.
acho que é por isso que nem ligo, não dou ouvidos aos pés e por mais que reclamem, que digam, que pensem, que falem... deixo pra lá e sigo firme na caminhada.
afinal, não fosse por tudo isso, estou em Paris, quem resiste caminhar por aqui?
terça-feira, 26 de agosto de 2014
classe A
nunca dei muita importância a algumas coisas que me apontavam como interessantes, importantes ou necessárias. uma delas, a viagem em primeira classe.
claro, no avião dá muita vontade. mais por providências de ordem prática do que pelo luxo propriamente. não é fácil acomodar 1,80m na econômica e não ter um beliscão na coluna, uma puxadinha na perna, um creque-creque no pescoço.
por conta das maluquices da minha amiga Janete experimentei, primeira vez, primeira classe em trem. nem queria, nem concordei, só obedeci a compra do bilhete.
ah! eu nasci para primeira classe! sou chegada a todos os tipos de paparicos, sorrisos, mimos, atenções, preocupações... e lá tem tudo isso e mais, muito mais.
na rota Amsterdam-Paris descobri que primeira classe não é luxo nem frescura, é questão de sobrevivência com uma porção de coisas que enfeitam, colorem e alegram o básico. coisa interessante, importante e necessária.
ninguém resiste, ninguém passa por ela sem transformações... daqui pra frente, tudo vai ser diferente...
claro, no avião dá muita vontade. mais por providências de ordem prática do que pelo luxo propriamente. não é fácil acomodar 1,80m na econômica e não ter um beliscão na coluna, uma puxadinha na perna, um creque-creque no pescoço.
por conta das maluquices da minha amiga Janete experimentei, primeira vez, primeira classe em trem. nem queria, nem concordei, só obedeci a compra do bilhete.
ah! eu nasci para primeira classe! sou chegada a todos os tipos de paparicos, sorrisos, mimos, atenções, preocupações... e lá tem tudo isso e mais, muito mais.
na rota Amsterdam-Paris descobri que primeira classe não é luxo nem frescura, é questão de sobrevivência com uma porção de coisas que enfeitam, colorem e alegram o básico. coisa interessante, importante e necessária.
ninguém resiste, ninguém passa por ela sem transformações... daqui pra frente, tudo vai ser diferente...
domingo, 24 de agosto de 2014
I AMsterdam
fiz poucas anotações de viagem em Amsterdam. não por falta do que falar, ao contrário; o texto seria sem fim, cheio de adjetivos, pormenores e exclamações...
estou em deslumbramento total!
a vontade maior de unir em minha vida cotidiana coisas que acredito que tornam a caminhada mais interessante se afunilam aqui, nesse lugar surpreendente que revela de jeito divertido o que deveria ser comum, mas que teima na raridade mundo afora: respeito, liberdade, gentileza, sorriso, civilidade, informação, formação, educação, cultura, simpatia, comunicação, beleza, tecnologia, inteligência... e um tanto de outras coisas do tipo obrigatórias e escassas.
como tenho o privilégio de passear com a melhor das guias, ela vai me mostrando e me explicando o sentido de tudo aquilo que me maravilha os olhos. mais, me revela hábitos, me conta histórias, me aponta detalhes, me faz surpresas incríveis, impensadas.
tudo que Lilia me mostrou e me explicou de Amsterdam me fascinou e seduziu.
gosto dos holandeses que estudam a água, que não se intimidam e avançam e controlam e plantam suas palafitas ha séculos como se fossem blocos de brinquedos, mas que estão lá, a solidificar e provar todos os dias inteligência e informação.
gosto de acertar meu relógio pelo horário do ônibus, que não atrasa, não pára, não recua, não dá zica.
gosto de conversar com atendente, garçonete, motorista, advogado, médico, feirante. parece que todo mundo fala o holandês de nascimento, o inglês por osmose, o francês e o alemão porque a escola ensina e mais uma ou duas línguas por vontade e interesses próprios.
gosto dos holandeses que sorriem. que simplesmente sorriem e vivem e reconhecem no simples motivo para sorrir.
gosto dos holandeses livres que dançam quando a música toca e eles têm vontade de dançar. e dos que, na data nacional, vestem suas antigas fardas de guerra para lembrar com respeito da história de seu país. e dos que se colorem de laranja para saudar a realeza. e dos que pedalam de terno, gravata, saia, scarpin para chegar ao trabalho ou de jeans e tênis para ir ao cinema.
gosto dos holandeses que se sentam num bar apinhado das gentes de todo o mundo que lotam o seu país e, ainda assim, sorriem.
gosto, sobretudo, de todas as diferenças que circulam livres e se permitem serem, apenas serem, sem apontamento, sem explicação, sem inadequação, sem problemas!
o que mais gosto é justamente o que não deveria ser característica desse lugar, mas regra natural e imperceptível em toda a humanidade.
li numa plaquinha de um bar a síntese: "Doe maar gewoon, dan doe je al gek genoe!". é isso!
arrumo forças para sair daqui em detalhe que forço registro como defeito, mas completamente contornável: o frio.
estou em deslumbramento total!
a vontade maior de unir em minha vida cotidiana coisas que acredito que tornam a caminhada mais interessante se afunilam aqui, nesse lugar surpreendente que revela de jeito divertido o que deveria ser comum, mas que teima na raridade mundo afora: respeito, liberdade, gentileza, sorriso, civilidade, informação, formação, educação, cultura, simpatia, comunicação, beleza, tecnologia, inteligência... e um tanto de outras coisas do tipo obrigatórias e escassas.
como tenho o privilégio de passear com a melhor das guias, ela vai me mostrando e me explicando o sentido de tudo aquilo que me maravilha os olhos. mais, me revela hábitos, me conta histórias, me aponta detalhes, me faz surpresas incríveis, impensadas.
tudo que Lilia me mostrou e me explicou de Amsterdam me fascinou e seduziu.
gosto dos holandeses que estudam a água, que não se intimidam e avançam e controlam e plantam suas palafitas ha séculos como se fossem blocos de brinquedos, mas que estão lá, a solidificar e provar todos os dias inteligência e informação.
gosto de acertar meu relógio pelo horário do ônibus, que não atrasa, não pára, não recua, não dá zica.
gosto de conversar com atendente, garçonete, motorista, advogado, médico, feirante. parece que todo mundo fala o holandês de nascimento, o inglês por osmose, o francês e o alemão porque a escola ensina e mais uma ou duas línguas por vontade e interesses próprios.
gosto dos holandeses que sorriem. que simplesmente sorriem e vivem e reconhecem no simples motivo para sorrir.
gosto dos holandeses livres que dançam quando a música toca e eles têm vontade de dançar. e dos que, na data nacional, vestem suas antigas fardas de guerra para lembrar com respeito da história de seu país. e dos que se colorem de laranja para saudar a realeza. e dos que pedalam de terno, gravata, saia, scarpin para chegar ao trabalho ou de jeans e tênis para ir ao cinema.
gosto dos holandeses que se sentam num bar apinhado das gentes de todo o mundo que lotam o seu país e, ainda assim, sorriem.
gosto, sobretudo, de todas as diferenças que circulam livres e se permitem serem, apenas serem, sem apontamento, sem explicação, sem inadequação, sem problemas!
o que mais gosto é justamente o que não deveria ser característica desse lugar, mas regra natural e imperceptível em toda a humanidade.
li numa plaquinha de um bar a síntese: "Doe maar gewoon, dan doe je al gek genoe!". é isso!
arrumo forças para sair daqui em detalhe que forço registro como defeito, mas completamente contornável: o frio.
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
um minutinho de silêncio, por favor
quando o trem parou em Bruxelas eu já tinha reclinado um pouco a poltrona, feito do casaco cobertor e espiava a paisagem como quem começa a entrar em sonho. preguiça boa: corpo leve, cabeça tranquila.
nessas condições que meu colega de viagem sentou-se ao meu lado. agitado, falante, cheio de movimentos e tiques... perguntou, como se fosse possível não saber, para onde iria o trem. respondi só com palavra de destino e virei a cabeça para a janela.
e isso tudo, isso tudo que contei detalhadamente, foi a deixa para que ele disparasse conversa.
com a revelação da minha nacionalidade, ele começou o papo tão chato sobre o-que-aconteceu-na-copa. metralhadora fora de controle, disparou suas teorias sobre o assunto. elas eram muitas, elas eram tantas, elas eram tão infinitas quanto improváveis.
se eu não tivesse querendo exercer meu direito curitibano de viajar calada, poderia ter sido divertido ouvir um inglês que nunca pisou no Brasil, que não saca muito de futebol, que não assistiu a Copa explicar o ocorrido. mas não era o caso.
tentei, primeiros minutos, contar-lhe sobre algumas particularidades nacionais para que desmontasse sua teoria, inglesa e pronta, e se aventurasse por novos caminhos, mas não tive fôlego para tanto. perdi. não soube dete-lo e meu castigo foi ouvi-lo, ouvi-lo, ouvi-lo sem reação ou debate, sem pergunta ou comentário, sem concordância ou questão. e a partir do quinto ou sexto minuto apenas ouvi.
monólogo infinito!
eu, que normalmente tenho os ouvidos para o mundo, queria muito que o silêncio reinasse quieto e manso como deve ser em todo trem que desliza em qualquer lugar do planeta.
providência amalucada: troquei de vagão. o que fez o inglês? a mesma coisa. veio atrás de mim e tratou de continuar.
padre em confessionário, não tive outro pensamento a não ser o lamento sobre a constatação de como demoram os trens rápidos na Europa...
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
o que sei de mim? quase nada. muitas surpresas no caminho...
nas minhas viagens, não importa o lugar, do Chuí a Nova York, de Piraquara a Roma, tenho sempre o grande objetivo de olhar as coisas, as construções, a ocupação dos espaços, a pressa alheia, a comida que se come e a que se serve, a música das ruas, as programações de ordens culturais e, sobretudo, as pessoas.
gosto de saber das pessoas. ouvir histórias, observar comportamentos, conversar com quem não conheço, trocar opiniões. gosto! é minha curtição.
o que nunca tenho como objetivo é fazer compras. nunquinha. todas as minhas compras de viagem são consequência, nunca causa.
agora, apesar da saudação da amizade, viajo sozinha. joguei meu corpo no mundo e trato de todos os interesses, dessa vez sem ter quem cutucar para apontar pessoa, coisa ou fato. vou costurando tudo sozinha.
o tempo passa, o tempo voa, e eu entrei de novo na Lafayette! e o que aconteceu comigo na terra em que não sou mãe nem guia nem exemplo nem responsável? fiquei louca e de Channel a Louis Vuitton, de Dior a Prada, de norte a sul e de leste a oeste quis me entregar às compras, ao prazer das compras, ao luxo lascivo e desmedido das compras...
absolutamente tudo me encantou e ouvi, primeira vez, o canto dessa sereia. já estava a estalar dedos e escalar pessoal de venda e entrega à domicílio, quando ergui a cabeça e vi o prédio. contemplei a arquitetura, os vitrais, as luzes.
junto com essa visão me picou o mosquitinho da curiosidade sobre a história e eu passei de compradora compulsiva à antropóloga com lupa.
fui salva aos 45 do segundo tempo, contemplei tudo que estava à vista com a pechincha de gastar 15 euros numa taça de champanhe. saí sã, salva e de vestidinho de algodão e tênis nos pés, exatamente como entrei.
e saí com a satisfação de ter feito inesquecível passeio.
gosto de saber das pessoas. ouvir histórias, observar comportamentos, conversar com quem não conheço, trocar opiniões. gosto! é minha curtição.
o que nunca tenho como objetivo é fazer compras. nunquinha. todas as minhas compras de viagem são consequência, nunca causa.
agora, apesar da saudação da amizade, viajo sozinha. joguei meu corpo no mundo e trato de todos os interesses, dessa vez sem ter quem cutucar para apontar pessoa, coisa ou fato. vou costurando tudo sozinha.
o tempo passa, o tempo voa, e eu entrei de novo na Lafayette! e o que aconteceu comigo na terra em que não sou mãe nem guia nem exemplo nem responsável? fiquei louca e de Channel a Louis Vuitton, de Dior a Prada, de norte a sul e de leste a oeste quis me entregar às compras, ao prazer das compras, ao luxo lascivo e desmedido das compras...
absolutamente tudo me encantou e ouvi, primeira vez, o canto dessa sereia. já estava a estalar dedos e escalar pessoal de venda e entrega à domicílio, quando ergui a cabeça e vi o prédio. contemplei a arquitetura, os vitrais, as luzes.
junto com essa visão me picou o mosquitinho da curiosidade sobre a história e eu passei de compradora compulsiva à antropóloga com lupa.
fui salva aos 45 do segundo tempo, contemplei tudo que estava à vista com a pechincha de gastar 15 euros numa taça de champanhe. saí sã, salva e de vestidinho de algodão e tênis nos pés, exatamente como entrei.
e saí com a satisfação de ter feito inesquecível passeio.
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
em três, quase quatro, capítulos
Desliguei o computador, enfiei meia dúzia de
roupas na mala, tranquei as portas da memória e saí de férias.
O que eu queria? Olhar para o mundo sem
carregar lembrança, peso ou obrigação. O que eu consegui? Pouca coisa até agora.
Capítulo 1: Lembrança
Cheguei ao aeroporto confiante. Na fila do
check-in senti o indicador nas minhas costas, Adriana, quanto tempo!. Era a minha primeira recordação do passado.
Amiga de infância. Puxou papo e na serpente de malas tratou de me resumir três
décadas de vida. Depois rememorou tudo que lembrava, e acho que também o
que inventava.
Capítulo 2: Peso
Na sala de embarque, sem possibilidade de me
concentrar em leitura, passatempo ou meditação, tive ideia esdrúxula. Entrei no
free-shop e fiz compras. A cabeça criativa, mas pouco prática, fabricou de surpreender com taças e champanhe quem me esperava. Burrice. Achei divertido
sair do avião com a comemoração em punho, festejando a hospitalidade. Quando a
mocinha do caixa me entregou o pacote, senti a dificuldade, como seria chato
arrastar sacola pesada pelas próximas horas.
Capítulo 3: Obrigação
Para cuidar do tempo que ainda restava, tratei de me
enfiar num canto do aeroporto longe de qualquer tipo de papo ou distração. E
daí que o relógio demorasse mais? Melhor ficar resguardada de encrencas. Pois veio até mim senhora humilde, frágil, assustada. Pediu
informações. Pesquisei o painel e respondi. Me disse que precisava ir ao
banheiro e falou sobre o incômodo das duas bolsas. Agarrei minha mala, minha
bolsa, minha sacola pesada, as bolsas dela, a conduzi ao banheiro, esperei paciente e atravessei corredores
apinhados de gente para deixá-la, sem equívocos, em seu portão.
Agora, dentro da nave. Estou sentada na janela,
não é exatamente olhar para o mundo, mas até aqui, é a parte que se salva dos
meus planos.
sábado, 16 de agosto de 2014
do lar
Pela fresta do quartinho espiei o dia
chegando. Não soube direito de suas cores, menos ainda de suas horas; só de
suas chuvas que choviam...
Sentada aqui, desde quando ainda era ontem,
percebi o futuro assim, sem anúncio ou festa, sem gritos ou comemoração.
O sábado se fez silencioso, mas bem
urgentinho de suas obrigações.
Para não atropelar nada nem dar pressa ao que
não precisa, comecei com chá, minha vontade era outra, mas tive preguiça do
café.
Enfileirei em prioridades todos os
chamamentos para hoje. O primeiro, em pouco tempo, o último amanhã à noite.
Comecei atrasada porque me distraí com o cão
que, abanando, veio desejar bom dia. Conversa longa, cheia de truques e
brincadeiras. O cão não estava previsto em meus encargos, mas não se nega
carinho a tão querido amigo.
Lembrei de estender as roupas. Tal dever
também não estava na lista, mas não é possível seguir sem libertar braços e
pernas que se encolheram abraçados durante toda madrugada dentro da máquina.
A espiadela pela cozinha disparou o gatilho
da vassoura e fui, sem pensar, tratando de mais esse imprevisto. Findo o
ofício, lembrei do jantar de hoje e tratei de desenhar o cardápio. Entre
freezer e armários, coloquei ida ao mercado à minha lista do dia.
Resolvi que antes de tomar banho e sair para
as responsabilidades prognosticadas, mandaria para bem longe das mesas,
armários e todas as outras coisas o pó que se formou por ali exatamente no
mesmo momento em que o sábado nascia. Espanador numa mão, aspirador em outra e
a área ficou livre para respiração.
Pensei nos filhos e em como é bom acordar com
cheirinho de bolo. Voltei para cozinha, separei o instrumental e me dediquei ao
prazer maternal de agradar a cria. Lavei louça, dei uma arrumadinha nas gavetas
e já que estava por ali, limpei a geladeira.
Preparei novo chá, o cão veio e deitou.
Lembrei do cesto de roupas, fiz pescaria e enchi a máquina. A essa altura,
precisava varrer mais uma vez, e agora pra valer, a cozinha, o ciclo continuou.
Rasguei a lista, abandonei os planos e voltei
para o quartinho: rotina de dona de casa.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
classificados
procuro por versos de amor
precisam ser singelos, claros, diretos.
têm que contar sobre uma vida inteira
dos elos dos amantes
e caber num único instante.
não exijo rima nem métrica
mas é obrigatório
a cor lilás do fim das tardes de verão
procuro por versos de amor
que escorram de bocas
molhadas em luas
e vidradas em beijos
opcional, tragam palavras novas
e que elas despertem vontades
e se transformem em música
não em música de ouvir,
em música de verdades
procuro por versos de amor...
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
um milhão de discussões em síntese
Nas últimas semanas tenho acompanhado algumas
discussões e participado de outras. Os motes são diferentes, mas a temática dá
voltas em torno do mesmo assunto: música popular.
O tópico poderia ser mais amplo e tratar da
cultura produzida como um todo, a envolver outras praias, mas por conta da
minha encarnação passada, acabei mais atenta a esse grupo.
Os amplos debates sobre a entrevista de
Mônica Salmaso para O Globo, mostraram certa confusão sobre o que se diz e o
que se entende. Vicente Ribeiro, como outros, admirador confesso do que a
cantora produz, criticou a oportunidade perdida da cantora tratar da MPB
bacana, de qualidade, bem vestida que se faz nos quatro cantos do país, que
sempre se fez e, quiçá, sempre se fará, independentemente do mercado. Em vez
disso, Mônica preferiu falar do lixo existente num discurso de que, pra quem
não conhece nada além dos grandes canais de divulgação, crê que só exista coisa
ruim disponível. Perdeu a oportunidade de utilizar bom espaço para citar
colegas de caminhada.
Pena! Jornal com tanto alcance é oportunidade
rara de ter sua voz a ecoar em muitos lugares. Se ela em vez de afirmar o ruim,
promovesse o bom, haveria chances de espalhar o melhor.
Vicente recebeu ecos e apoios e também
opiniões divergentes, com as quais soube lidar muito bem e respeitar. Mas
também conheceu a tragédia de olhos que não lêem o literal e procuram
entrelinhas inexistentes. Foi criticado, ofendido e xingado. Apareceram as
palavras inveja, despeito, competição, como se ele, músico arranjador e
maestro, disputasse qualquer coisa com Mônica de quem, repito, ele é fã. Lamentável
essa parte do debate.
Mas o episódio proporciona a reflexão a
respeito de aproveitar toda e qualquer oportunidade para reafirmação do que
temos de melhor, para divulgação do que é digno de ser comentado, para a
semeadura do que vale e existe e sobrevive na garantia dos próprios
entendimentos.
Outro episódio teve como gatilho o produtor
Rodrigo Fornos, que divulgou a notícia sobre o cadastro e aceite de um projeto
pela Lei Rouanet para shows de Luan Santana. “O Luan Santana infringiu alguma lei? Ele
não é artista? Ele não tem direito a usar a Lei Rouanet em um projeto seu?” foram as perguntas de Rodrigo.
Muita gente contra, gente a favor, gente que
debate as nuances legal versus moral, gente que se coloca como artista mais “precisado”
de recursos públicos.
Será um grande absurdo pensar que os editais
públicos acabam por afastar discussão realmente pertinente ao caso?
Uma política pública de cultura séria não tem
editais de financiamento de projetos e até de capitalização de artistas como
ponto central de seu texto. Política pública de cultura, tem que envolver
formação de plateia, educação, informação, conhecimento.
Não me parece bicho de sete cabeças unir,
verdadeira e efetivamente, secretarias de educação e cultura de modo que se
promova um baú de informações aos estudantes. Se a atual geração está perdida,
não dá para concentrar esforços para daqui dez, 15, 20 anos?
O que pensar do nosso futuro se hoje os
professores mal sabem quem foi Cartola, Noel, Pixinguinha?
É claro que não é possível interferir
simplesmente no que uma pessoa gosta. E atitudes autoritárias podem ter
resultado contrário do esperado.
Por isso, é necessário oferecer elementos
para despertar e alimentar senso crítico, apurar os sentidos e preparar o olhar
para as artes de maneira geral. Quanto mais informação, mais condições de fazer
comparações e opções.
Mas como fazer para saltar a muralha que é o
mercado e se ergue poderoso oferecendo produtos que ditam as direções por onde
a grande maioria da população irá caminhar? Impossível saltar a muralha, é
muito fácil desviá-la. A indústria cultural pensa na lógica da massa: produtos
descartáveis que terão fácil consumo e absorção hoje e que amanhã serão
substituídos por outro com o mesmo perfil. Esse pensamento se estende nos mais
diversos campos. O grande antídoto contra esse ciclo disponível para todos o
tempo todo, é a informação (a educação, se formos tratar da cura definitiva).
Quem sabe se pararmos de discutir quem é que
fica com a grana pública e virarmos a cabeça para as soluções que libertem
ouvintes e artistas para as próprias escolhas, comecemos, então, a avançar.
A linha do horizonte é o lugar em que nenhum
artista mendigará verba do governo e nenhum consumidor optará como escolha própria
o que lhe enfiam guela abaixo.
É hora de começar a caminhar!
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
grau
moro nos olhos do amado,
endereço definitivo,
onde começo e termino
sussurro e gargalho
desfilo e prometo.
ouço os seus olhos
como sol de manhã de primavera
feito brisa de janeiro
imensidão de espaço
nós de todos os laços.
o conjunto dos seus olhos
me diz que ele é meu
que me quer ser sua
que sou sua.
a voz dos olhos do amado
tem orvalho fresco
e canta música suave
que me inventa e me descobre
me mata, me move, comove.
são os seus olhos que
eu quero colados em mim
em linha reta ou em curvas
para o tato e a conversa.
terça-feira, 12 de agosto de 2014
borboleta
Adoro o dia 13.
Tenho cá meus motivos, todos eles muito
particulares, que não cabem em revelação pública. Coisa bem minha, tão minha
que as vezes as perco no meu calendário desordenado e distraído: outros dias
acabam virando 13.
As vezes as belezas do 13 caem no 12, mas sei
que elas pertencem mesmo ao décimo terceiro e que se aparecem antes é para
abrir caminho para tão celebrada data.
Modificações acontecem comigo. Flutuo,
levito, meus gestos ficam lentos, a voz mansa, a boca carmim. Os apetites me
gritam e eu transbordo. É o dia da feliz mutação.
O meu grande objetivo de vida é tratar todos
os dias da existência, todos os dias do ano, todos os dias sem número, como se
13 fossem e deixar que seus encantamentos me caiam feito banho em mar calmo e
morno, águas transparentes e corpo abraçado.
E assim eu vou, me renovando a cada novo 13.
Ops! Hoje ainda é 12, mas amanhã, ah! amanhã
ninguém me segura!
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
oração
“Não acredito em Deus
porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!”
(Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema V")
Querido Deus,
Durante todo esse tempo estive por aqui, a
esperar que você chegasse e se apresentasse. Desculpe se não consegui ver seus
sinais em filhos, flores, mar, árvores, Bach, chuva, templos, sistema solar,
Pixinguinha... Desculpe. Preciso de conversa direta, sem intermediários.
Há quatro décadas minha ideia vai pra lá e
pra cá em busca desse encontro. Tenho algumas crenças, mas nenhuma delas
obedece sua ordem. Tenho também superações e elas não se fizeram por milagres e
eu não estava em seu colo, batalhei firmemente para que acontecessem.
O que eu queria mesmo, era que você chegasse
aqui e se apresentasse, Muito prazer,
Adriana, eu sou Deus. Você me chamou e eu vim. Será que você pode, por favor,
largar essas coisas que anda fazendo, sabe-se lá o que são, e me aparecer? Não
precisa nenhuma demonstração de toda sua autoridade, só me contar.
Não acho certo que você creia que exista só
porque assim quer. Esse mistério todo não combina com quem é muito poderoso. Com
todo respeito, Seu Deus, aparece aqui, faz um convite pra fé, inaugura uma
crença.
Se eu escrevo esse bilhete é porque no fundo
no fundo eu tenho esperança da sua existência e isso não me faz de toda herege,
né? Se eu não sou assim tão descrente, aceita meu convite, aparece por aqui, me
conta.
Por favor, se você estiver lendo esse bilhete
e não puder, por motivos divinos, desses que minha limitada humana compreensão
não alcança, não se zangue, não me atire raios. Abençoe essa ateia que só quer
saber de encontrá-lo aqui, ainda em vida, claro.
numa folha qualquer
Tirei da gaiolinha lápis, gizes, tintas.
Todas as cores libertadas. E todas as disposições para usá-las.
Saquei as algemas do bloquinho de canson que
guardo há muito e que agora é manchado pela pátina do tempo, amarelado pelos
anos de gaveta.
Abri bem as janelas, escancarei as cortinas,
afastei os móveis. Com os ventos a circular, espalhei material em cima da mesa.
Escolhi música de transporte. Arregacei as mangas, puxei ar e encarei o papel.
Tinha vontade imensa de pintar, fazer graça
no papel, deixar registrado em desenho o que viesse à minha cabeça.
E o que veio? Nada. Acho que se fechasse os
olhos e me concentrasse, chegaria aquele estágio da meditação onde é possível
flutuar. Nenhum pensamento, nenhuma ideia, nenhuma figura. Cabeça anulada.
Não desisti. Segurei firme o azul e não dei
comando. Pensei que eu pudesse ser um daqueles gênios que só soltam a pena e tudo
vai se compondo feito mágica, a reinventar técnicas e produzir maravilhas.
Não, não sou. O papel continuou do mesmo
jeito que anos atrás, quando o tranquei na gaveta: virgem e mudo.
Gargalhei de mim mesma. O que queria eu
agora, às vésperas de completar 100 anos? Depois de velha me descobrir como
artista das plásticas? Criar traços dignos de paredes elegantes? E, ainda por
cima, com esses parcos recursos?
Não tive dúvidas, recolhi tudo. O canson
voltou pra gaveta, tão pálido quanto antes; agora terá, por sua natureza
modificada pelo tempo, utilidade de tapete de cartas que contem notícias antigas,
já pisadas e vividas.
As cores todas voltaram para gaiolinha e de lá
só sairão para fazer pequenos enfeitinhos nos meus diários; ninguém vê, não
passo vergonha.
domingo, 10 de agosto de 2014
a minha lua
Me animei com a superlua. Porque é super e
porque é lua. Porque gosto dos fenômenos. Porque a natureza me encanta.
Quando vi o céu se abrindo quase uivei.
Depois veio a decepção no paredão do prédio
cafona de arquitetura horrorosa, coisa de novo-rico, aqui do lado. Seria boa
oportunidade de mandá-lo pelos ares – onde já se viu se intrometer entre a lua
e eu?
Fui salva pela Iara, que tratou de tudo com
sensibilidade e competência. Ganhei agrado também das irmãs Abaurre que
aumentaram a beleza colocando o mar lindo de Manguinhos como tapete.
Como a lua e eu temos assunto, fui
encontrá-la. Desci em correria para não deixar velha amiga a esperar. O último
lance me fez virar o pé. Segui. Quando alcancei a rua, virei a cabeça, vi seu
clarão.
O pessoal que entende diz que ela pintaria o
céu com outras roupas: 14% maior e 30% mais brilhante.
Naquela hora ela já não era mais super, era
lua cheia e alta. A do ciclo normal. E como todas as outras que vi, estava toda
linda, toda grávida. Farol na imensidão escura.
Conversamos um pouquinho. Papo rápido. Fiz
declarações sobre sua beleza, lembrei de um desenho que rabisquei quando tinha
uns seis anos e deixei no quintal para que ela o recebesse como espelho, manhã
seguinte, o cachorro o tinha estraçalhado.
Na volta pra casa, dessa vez pelo elevador,
vi as fotos da superlua estampada nos jornais do mundo. Estranho, parece que há
mais de uma lua girando em volta da gente. E deve haver mesmo, a minha é aquela
com quem converso e dedico deferências desde os seis anos.
desenho bonitinho, não sei de quem é, o
encontrei no blog dibujosideiacriativa.blogspot.com.br
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Nãna
Meu pai tem muitos silêncios, muitos olhares, muitos entendimentos. Olha pra vida e considera as perspectivas diferentes que ela tem.
É de educação pré-guerra, a de 1914, quando os homens sabiam que a gentileza, a calmaria, o ouvir e não perguntar são grandes bens para o bom convívio.
Ele é incapaz de indiscrição, sempre achou que não tem que especular a vida de ninguém, como também não tem que falar dos alheios. Elogios, só para os que realmente admira, mas não é chegado a adjetivos, prefere contar uma história para falar da contemplação.
Meu pai é homem persistente, as pedras que pipocaram em seu caminho acabaram usadas na construção de monumentos. E nesse trabalho descobriu-se algumas vezes e se reinventou para seguir de cabeça erguida, sem dever, mas doando.
Ele é tipo sério, perfil de esfinge, poucas palavras no primeiro encontro. Mas ri e gargalha e brinca e conta piadas.
É meio desajeitado com as demonstrações de afeto. Não diz estou com saudade, quero te ver, pensei em você. Em vez disso, compra bolo e aparece, telefona e fala sobre uma notícia do jornal, manda mensagem com pergunta qualquer sobre coisa que não sei. É o seu jeito de dizer.
Meu pai gosta de fazer pequenos consertos aqui em casa, até sobre assuntos que desconhece. Se chamo especialista, ele se aborrece, porque na sua cabeça pai, não há nada que ele não possa fazer por mim.
Gosta de escrever cartas e nelas trata de todas as palavras de amor que sua boca não diz e seus olhos revelam. Coleciono bilhetinhos desde o nosso começo.
Quando eu era criança, me dava jóias de presente e se maravilhava com meu encantamento; agora, me traz brinquedos e se diverte com minha farra.
É um andarilho, cruza a cidade a pé. Não acha que está ficando velho e não tem muitos medos. Atrás daquele bigode imponente, bate coração de manteiga que se emociona com os netos e sempre repete a mesma frase quando vai embora: "apareça!, ah! aqui é sua casa, eu apareço".
É de educação pré-guerra, a de 1914, quando os homens sabiam que a gentileza, a calmaria, o ouvir e não perguntar são grandes bens para o bom convívio.
Ele é incapaz de indiscrição, sempre achou que não tem que especular a vida de ninguém, como também não tem que falar dos alheios. Elogios, só para os que realmente admira, mas não é chegado a adjetivos, prefere contar uma história para falar da contemplação.
Meu pai é homem persistente, as pedras que pipocaram em seu caminho acabaram usadas na construção de monumentos. E nesse trabalho descobriu-se algumas vezes e se reinventou para seguir de cabeça erguida, sem dever, mas doando.
Ele é tipo sério, perfil de esfinge, poucas palavras no primeiro encontro. Mas ri e gargalha e brinca e conta piadas.
É meio desajeitado com as demonstrações de afeto. Não diz estou com saudade, quero te ver, pensei em você. Em vez disso, compra bolo e aparece, telefona e fala sobre uma notícia do jornal, manda mensagem com pergunta qualquer sobre coisa que não sei. É o seu jeito de dizer.
Meu pai gosta de fazer pequenos consertos aqui em casa, até sobre assuntos que desconhece. Se chamo especialista, ele se aborrece, porque na sua cabeça pai, não há nada que ele não possa fazer por mim.
Gosta de escrever cartas e nelas trata de todas as palavras de amor que sua boca não diz e seus olhos revelam. Coleciono bilhetinhos desde o nosso começo.
Quando eu era criança, me dava jóias de presente e se maravilhava com meu encantamento; agora, me traz brinquedos e se diverte com minha farra.
É um andarilho, cruza a cidade a pé. Não acha que está ficando velho e não tem muitos medos. Atrás daquele bigode imponente, bate coração de manteiga que se emociona com os netos e sempre repete a mesma frase quando vai embora: "apareça!, ah! aqui é sua casa, eu apareço".
sábado, 9 de agosto de 2014
costureira, eu?
Tenho vontade de costurar imensa manta.
Daquelas feitas a partir de retalhos, dos
pedacinhos que não servem sozinhos para nada, mas que são imprescindíveis no
espaço aberto.
Eu, costureira imaginária, me aventurando
nessa empreitada, cada pedaço teria uma cor, uma forma, um tamanho. Cada pedacinho
seria único e não se repetiria, mas se multiplicaria no amiguinho do lado.
Meu quebra-cabeça seria costurado milímetro
por milímetro, nó por nó, com fio resistente, nem faca Ginsu separaria.
As frações mais sem graça e longe da beleza
teriam que ficar no meio, bem no meio, como se ocupassem lugar de destaque.
Acho que começaria por elas e em volta, bordaria as outras, as mais bonitas.
Só para que no final, depois de todos os
retalhos de mãos dadas, pudesse concluir que a beleza serve como profilaxia,
que ela contamina tudo que está em volta, que não há fragmento mal-parecido que
resista.
Minha colcha seria sempre, sempre, sempre quarada
em campo de lavanda, em dia de sol azul e noite cheia. Seu perfume se
derramaria em mim toda segunda-feira como brisa de Debussy, para renovar meus
votos.
Essa seria a colcha que estenderia em minha cama para as noites de frio, as manhãs
de clareza e os sonhos de todas as horas e naturezas.
Acho que o amor é tipo uma colcha de retalhos...
Costureira, eu?
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
alvorada
Parei o que estava fazendo quando me dei conta do tempo, quatro e meia da manhã. Calculo que entre retoque da maquiagem, troca de roupa e afofar de travesseiros, tenha ido dormir perto das cinco.
Acho que foi por isso que me pareceu tão irreal quando a Lívia entrou no meu quarto e anunciou: mãe, são dez pra sete, vamos?
Fugi da cama. Não me despedi, não contei com o corpo ainda bambo o quanto ela é quentinha e fofa e agradável. Não revelei nadinha nem à cama nem ao quarto escurinho. Só pulei e saí, feito criatura ingrata que nem olha pra trás.
Cumpri com silêncio, esforço e competência minha primeira função do dia. Lívia e amiga entregues.
Antes de voltar pra casa, pensei em comprar pão. Tão bom manteiguinha a derreter na massa fresquinha... Na padaria, achei que era melhor transferir a mesa do café: melhor que pão quentinho com manteiga, é ter isso acompanhado de café e suco e frutas e queijo e bolo e, mais importante, sem precisar recorrer a outro esforço físico...
Sentei-me e como não gosto de ir ao buffet, prefiro sempre que ele venha a mim, fiz pedido. Tratei do desjejum em silêncio de passamento, cabeça fechada para qualquer ideia. Sono. Na intenção de adiantar expediente, mandei mensagem que era pra Lívia no celular do Dé, o bilhete do Dé foi pra minha irmã e meu pai recebeu confirmação sobre assunto que ele desconhece - sardinha ao cachorro, banana pro gato...
Na fila do caixa percebi alguns olhares estranhos pra cima de mim e o sorrisinho meio debochado da menina das cobranças.
Paguei e tomei meu rumo.
Quase em casa, entrei no elevador com aquela tão curitibana preguiça de conversa. Meu vizinho, por sorte, estava como eu, só se limitou a falar qualquer coisa do tempo e do horário, riu-se meio zombeteiro e pronto.
Só quando entrei no meu quarto é que entendi os olhares, o sono, as convenções: eu saí de pijama, super pijama, roupão por cima, cabelo em coque, pantufa nos pés. Saí como se tivesse ficado. Saí sem contar nada para o corpo. Saí com esperança de voltar. Saí, ainda não voltei.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
happiness?
As vezes tenho pensamentos sobre a
felicidade. A minha. Me batuca a cabeça se numa quinta-feira qualquer
acordarei, olharei para o lado e concluirei, sem ressalvas, eu sou feliz!
É claro que já sei da inexistência de
felicidade plena. O que não entendo é por que cargas d’água inventaram esse
termo. Decerto para cutucar os fracos ou para incentivar a marcha em busca de
coisa melhor – horizonte.
Mas, as vezes, penso se haverá época disso. E
se houver, o que farei? Ficarei sendo feliz, sem preocupações, perrengues,
questões? Pararei de procurar? O mundo deixará de me incomodar? Não terei interrogações
nem menores nem maiores? Viverei plenamente sem nenhum tipo de incômodo?
Que coisa tediosa a felicidade plena!
Talvez seja o revezamento que faça a vida
girar: acerta-se um lado, para correr atrás da solução de outro. Uma
alternância entre os grandes temas maiores da vida, os assuntos que compõem a
vida privada: família, amor, saúde, trabalho. E na folga entre um e outro, as
coisas do mundo, minha nega: as fomes, as guerras, os desmatamentos, a
política.
Quando comecei escrever esse texto engatei
numa linha de pensamento. O que tinha separado como final, agora, aqui, nesse
parágrafo, já não me faz mais sentido algum.
Por hora, vou procurando o
desfecho, quando o encontrar, provavelmente ele será mais um pedaço para as
minhas plenitudes.
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