Eu nunca havia levado bolo. Inaugurei a nova
sensação no sábado. Ai como é triste ser esquecida...
E como se não bastasse, hoje aconteceu de
novo. Acho que o sucesso em compromissos particulares e sociais chegou ao fim e
o que era para ter acontecido de forma espaçada na vida, veio à galope, de uma
vez só.
Talvez as pessoas tenham um número X de dribles
para levar durante a vida e como eu não tinha dado nada à minha quota e as
folhas do calendário se apressam, então chegou a hora de acertar os ponteiros.
Mas hoje, por conta disso, sentada no
restaurante da minha vida inteira, pude fazer coisa que há semanas não tinha
oportunidade: olhar o mundo, os mundos. Cada mesa um universo tão particular
que as vezes dá pra duvidar que fazemos parte da mesma espécie e ao mesmo tempo
tão igual, que é fácil acreditar que não há diferenças entre os homens.
Da minha mesa de sempre, do meu lugar desde
os primeiros dias, na companhia dos meus infalíveis garçons, a incrível
experiência de abrir os olhos e ver. Gosto de pensar que o São Francisco é
minha Aracataca, lá, e só lá, a fantasia é verdade o tempo todo.
O amontoado de tipos e situações refletindo toda
humanidade, em meus, já decretados, cem anos de solidão: homem de peruca, galã
de outros tempos, fila na porta, teto roído por cupim, executivo apressado,
jornal dobrado a fazer companhia ao homem que almoça sozinho, sorriso do rapaz
que flerta, toalhas verdinhas, trabalhadores que passam, leitura do cardápio na
porta, moça de saia curta, rapaz de outros bares, conversa sobre futebol a
oeste e sobre política ao norte, engordurados óculos do Seu Valentin, bigode de
Ruy Barbosa, mulher de riso fácil, funerária do outro lado da rua, sol que bate
na calçada, o Zé a contar da vida, das vidas e jurar aposentadoria para o mês que
vem. Maravilha de diversidade.
Que belo e estranho dia pra se ter alegria!
O Seu Valentin, em foto de Hugo Harada para Gazeta do Povo |
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