Não brinco com o tempo.
Já sei como ele é: rápido no gatilho,
traiçoeiro, não espera a gente contar até dez para puxar arma e disparar.
Apesar de sua natureza ser assim, tão
indomável, procuro tratá-lo bem, com carinhos, atenções, planejamentos.
As vezes consigo enganá-lo e faço duas, três,
quatro coisas numa vez só. Quando dá certo, comemoro. Quando ele descobre, me
castiga, exige que eu descanse e lá se vão algumas preciosas horas pelo ralo.
Aprendi uns truques para aproveitá-lo melhor:
se estou enfiada num congestionamento imenso, aproveito para escutar disco
novo, reparar na paisagem, gravar pensamentos, saber das notícias, tirar
sobrancelha; na sala de espera do médico, eu termino o livro, respondo emails,
leio o jornal; a fila do mercado me serve para reparar ao redor, escrever os
planos da próxima viagem, dar uma conferida nas capas de fofocas. E assim por
diante.
Cometo também o que muitos chamam de perder
tempo e que eu acho que é ganhar: tenho lugar preferido na cidade, é silencioso
e solitário, gosto de ficar lá uma ou duas horas sem fazer nadinha, sem
acumular função, sem leitura, sem telefone; só fico, deixo que os ponteiros
girem e que o pensamento fique solto para se largar pro lado que quiser.
Sei que meu tempo é muito bem aproveitado
quando converso com meus filhos, quando recebo os amigos, quando brinco com o
cachorro, quando o gerente do banco concorda comigo, quando ouço pela trigésima
vez a mesma história que meu pai conta, quando o jantar fica pronto.
Agora, o tempo excepcionalmente bem
aproveitado é aquele que fica na cabeça, não de um evento marcante e grandioso,
mas de um dia qualquer, no meio do calendário, que se solidifica para sempre
nos cartões da memória como prova de uma época inteira. Para os dias especiais
assim, o tempo se multiplica e se refaz toda vez que eu fecho os olhos e volto
a ele: como era bom brincar no sítio da tia Sofia!
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