O telefone tocou cedo. Do outro lado da
linha, mais séria que uma segunda-feira, minha mãe. Me contou sobre as
novidades dos últimos dois dias, perguntou uma ou outra coisinha, trouxe
comovente notícia e, por fim, o tema da pauta: a amizade e a família.
Aborrece-a que eu e meus primos não sejamos
amigos inseparáveis. Na conta poderia entrar eu e meus irmãos (porque o Zeca e
a Dani também seguem suas jornadas descolados dos primos), mas ela preferiu
concentrar esforços.
Lembrou da minha infância, das brincadeiras,
planos, preocupações... Alertou-me sobre os recados e convites que eles sempre
me deixam quando a visitam. Reconheceu sobre meu interesse permanente a
respeito da vida deles. E, por fim, concluiu que quando nos encontramos nas
felicidades dos almoços que reúnem todos, ou parte, estamos sempre bem,
alegres, a derramar bem-querer uns pelos outros.
Nos gostamos à distância, fazemos escalas na
casa de minha mãe e depois seguimos a vida. Minha mãe é a ponte que nos une, o
caminho que nos permite sabermos uns dos outros e entregarmos toda maravilha de
sentimento infantil que ficou em nós.
Depois que desliguei o telefone, fiquei com
os olhos fixos na janela, a pensar sobre o que ela me disse e outras.
A vida adulta é assim, um pouco empurra a
gente pruns lados, um pouco a gente faz opção. A vida adulta faz com que a
gente esteja mais perto daqueles que têm o maior número de pontos comuns, mesmo
que sejam assuntos menos agradáveis.
É por isso que falo mais com o cara chatérrimo
da empresa onde batalho um trampo, do que com a Gio, por exemplo.
Mas há duas coisas essenciais nisso.
A primeira é que esse amor plantado lá na
minha infância, com pessoas que ficaram em mim e a quem sempre retorno em
pensamento, não se apaga, não diminui, não mofa. Eu adoro meus primos, meus
tios, minhas tias. Cada um deles representa para mim um pedaço grande de tudo
que cabe na vida de verdade.
A outra, é que minhas amizades escolhidas,
essas que vim reconhecendo pelos anos independentes, são fartas, lindas, boas e
preenchem lacunas de sentimento. Meus amigos são, também, minha família.
Num mundo ideal, seria possível que todos nós
sentássemos à mesa e conversássemos, falássemos de nossos filhos, de nossos
caminhos, de nossos planos. E dividíssemos o pão e bebêssemos juntos, a formar
família-total, dos de sangue e dos escolhidos a dedo. E isso se desdobraria
entre todos os presentes e formaria uma família maior que a humanidade e assim
viveríamos todos irmãos, numa fraternidade universal...
O possível para hoje é saber, feliz da vida,
que desde a infância venho formando maravilhosos laços que têm a força
necessária para superar ausências e silêncios, intervalos e urgências. Laços de
sangue ou não.
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