terça-feira, 22 de julho de 2014

fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada


Sou um tipo banal, corriqueiro.

Ordinária, entregue a pequenos prazeres. Não penso em grandes conquistas, não almejo fama nem glórias.

Quando tinha idade de querer dominar o mundo, não levei muito jeito pro assunto e de derrota em derrota fui arrumando forma de não me contundir em cada nova empreitada. E essa maneira resultou em desistir das grandes capturas.

Virei uma simplória e meu prazer migrou para observação do que já estava conquistado: ouvir o canto dos pássaros, tomar banho de mar, admirar tramas de crochê, ler belos poemas, ver flores coloridas, conhecer música boa. Nada que dependesse exatamente da minha execução, só da minha vigilância e atenção.

Há vantagens. Muitas. Cada fatia do mundo se torna uma aventura inesgotável de descobertas. Qualquer desconhecido é fonte de histórias, diversão e comoção. Uma cadeira? E me ponho a pensar no trabalho do artesão, nas ferramentas, na carpintaria, na escolha da madeira, no plantio, na derrubada. Levo horas a lembrar do pedaço de torta da padaria: ingredientes, processos, tempos, quantas experiências até chegar àquela consistência, quantas mãos tentaram o sabor perfeito; a história da culinária, quantos séculos de laboratório para que o cacau bruto se transformasse naquela maravilha de mousse...
Há uma meada imensa em cada detalhe do meu tão simples dia a dia. E esses fios que se embaraçam, se entrelaçam na história que a humanidade quase nunca conta me encantam e me absorvem horas de pensamento e pesquisa. Sou curiosa.

Descobri que o essencial para mim são esses pequenos prazeres, que as vezes vêm cobertos de filosofias e reflexões, noutras só tomam conta daquele pedaço que se maravilha sem exigir explicações. 

Gosto também do que é belo. Beleza construída pelo homem como uma sinfonia ou um bom corte de cabelo, uma escultura em pedra ou um terno bem alinhavado, um verso de Cecília ou uma porcelana Meissen. Beleza que já está pronta como um ipê branco no final do inverno ou uma lua nova com estrela de pingente, um temporal de verão com luzes no céu ou uma corredeira ligeira de um rio qualquer, um por de sol de verão ou o cachorro abanando o rabo.
O belo sempre acaba sendo pra mim espécie de profilaxia. Se há erros, medos e decepções no presente, há também as compensações para essas penas. As rosas para os espinhos.

Já foi ruim ser tratada como um tipo ingênua, tola, boba. Hoje, acho que essa papalvice é minha conquista e meu antídoto, minha linha de partida e chegada, meu precipício e proteção.  


2 comentários:

  1. Depois de ler essa crônica, o negócio é ouvir uma composição de João Pacífico como "História de um Prego", por exemplo. Ou, então, ouvir Adauto Santos cantando "Doce de Cidra". De preferência, curtindo esse sol quentinho e esse céu azulzinho do inverno curitibano.

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    1. "O amarguinho que ele tem é inofensivo
      Não é doce enjoativo, é gostoso de comer
      Mas para mim doce de cidra é um veneno
      Apesar dele pequeno fez tão grande o meu sofrer..."

      ;-)

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