Sou um tipo banal, corriqueiro.
Ordinária, entregue a pequenos prazeres. Não
penso em grandes conquistas, não almejo fama nem glórias.
Quando tinha idade de querer dominar o mundo,
não levei muito jeito pro assunto e de derrota em derrota fui arrumando forma
de não me contundir em cada nova empreitada. E essa maneira resultou em
desistir das grandes capturas.
Virei uma simplória e meu prazer migrou para
observação do que já estava conquistado: ouvir o canto dos pássaros, tomar
banho de mar, admirar tramas de crochê, ler belos poemas, ver flores coloridas,
conhecer música boa. Nada que dependesse exatamente da minha execução, só da
minha vigilância e atenção.
Há vantagens. Muitas. Cada fatia do mundo se
torna uma aventura inesgotável de descobertas. Qualquer desconhecido é fonte de
histórias, diversão e comoção. Uma cadeira? E me ponho a pensar no trabalho do
artesão, nas ferramentas, na carpintaria, na escolha da madeira, no plantio, na
derrubada. Levo horas a lembrar do pedaço de torta da padaria: ingredientes,
processos, tempos, quantas experiências até chegar àquela consistência, quantas
mãos tentaram o sabor perfeito; a história da culinária, quantos séculos de
laboratório para que o cacau bruto se transformasse naquela maravilha de
mousse...
Há uma meada imensa em cada detalhe do meu
tão simples dia a dia. E esses fios que se embaraçam, se entrelaçam na história
que a humanidade quase nunca conta me encantam e me absorvem horas de
pensamento e pesquisa. Sou curiosa.
Descobri que o essencial para mim são esses
pequenos prazeres, que as vezes vêm cobertos de filosofias e reflexões, noutras
só tomam conta daquele pedaço que se maravilha sem exigir explicações.
Gosto também do que é belo. Beleza construída
pelo homem como uma sinfonia ou um bom corte de cabelo, uma escultura em pedra
ou um terno bem alinhavado, um verso de Cecília ou uma porcelana Meissen. Beleza que já está pronta como um ipê branco no final do inverno
ou uma lua nova com estrela de pingente, um temporal de verão com luzes no céu ou
uma corredeira ligeira de um rio qualquer, um por de sol de verão ou o cachorro
abanando o rabo.
O belo sempre acaba sendo pra mim espécie
de profilaxia. Se há erros, medos e decepções no presente, há também as
compensações para essas penas. As rosas para os espinhos.
Já foi ruim ser tratada como um tipo ingênua,
tola, boba. Hoje, acho que essa papalvice é minha conquista e meu antídoto,
minha linha de partida e chegada, meu precipício e proteção.
Depois de ler essa crônica, o negócio é ouvir uma composição de João Pacífico como "História de um Prego", por exemplo. Ou, então, ouvir Adauto Santos cantando "Doce de Cidra". De preferência, curtindo esse sol quentinho e esse céu azulzinho do inverno curitibano.
ResponderExcluir"O amarguinho que ele tem é inofensivo
ExcluirNão é doce enjoativo, é gostoso de comer
Mas para mim doce de cidra é um veneno
Apesar dele pequeno fez tão grande o meu sofrer..."
;-)