terça-feira, 29 de julho de 2014

eu hein, Rosa


Como é que chegamos aqui? Que mundo mais chato esse! Quase tudo proibido. Quase tudo é imoral, ilegal ou engorda. E ser imoral, ilegal ou gorda parece que não pode...
Ou melhor, ser gorda pode. O que não pode é usar a palavra gorda, ou querer emagrecer, porque cada um, agora, tem que se aceitar como é – mas sem comer bacon ou gordura trans e fazendo exercício com três litros de água, no mínimo, sendo renovados a cada 24 horas.

A gente não pode mais usar a palavra preto para falar da cor de alguém. É ofensa. Há terminologias específicas para isso e não importa se você respeita ou não a pessoa, o que interessa é falar direitinho.

A discussão política se tornou assunto perigoso nas rodas. Se é contra o PT, imediatamente é tachado de reacionário, a favor da ditadura militar ou elite-branca contra os pobres.

As piadas foram proibidas. Nada de bom humor, tiração de sarro ou apelidos. Tudo virou ofensa, afronta ou bullying.  

Se traz as compras do mercado nas sacolinhas plásticas, corre o risco de ser o responsável por explodir o planeta. Se deixa um restinho de comida no prato, é a prova de que não se importa com os mais pobres. E se compra um vestido novo, é sinal de que o consumismo lhe pegou. Mas você não pode, de jeito nenhum, ter um celular, é imprescindível ter smartphone para ficar com o pescoço virado pra baixo quando entra no elevador e não cumprimenta o vizinho.
O legal é contar para o mundo, via Facebook, que está acordando, indo dormir, comendo sushi ou viajando para Tatuapé, mas sem encontrar ninguém pessoalmente; mais vale um checking. Ou se indignar com as atrocidades planetárias, ficar comovido com quem não conhece e pedir paz no mundo, se quiser estender a mão para um colega de trabalho e lhe perguntar sobre sua vida e dificuldades, imediatamente vira um intrometido desagradável.  

Vaias, palavrões, xingamentos e gritaria na arquibancada do futebol? Sinal fechado para isso: os adversários merecem apreço, tem que ter respeito com a mãe alheia, há famílias, crianças no local.

A velhice, com todas as suas dores e desgraças, incluindo a miséria da aposentadoria e a falência da previdência, virou melhor idade e lugar para depositar os filhos enquanto pais e mães frequentam academias e baladas. Mas é muito legal fazer um post com figurinha sobre o dia da avó.

Gosto não se discute mais, só temos a imperar mau gosto. A música vulgar que toca alto, muito alto, nas lojas, mercados, ruas é horrenda, insultante, mas se reclamar, criticar, pedir pra tocar ou diminuir o volume, você é esnobe. Não é fácil comprar roupa que não tenha estampa de bicho, strass ou cores extravagantes; a preferência por uma peça discreta, neutra ou lisa é mais rara que um tênis sem ter cor neon.

Você leu esse texto até aqui e conclui que ele está pra lá de batido e que sua leitura já não faz mais sentido nenhum? O legal agora é escrever sobre escritores que morreram ou sobre as guerras no mundo ou qualquer coisa mais atual e menos rasa? Ah! Dane-se, seu chato! O blog é meu e eu falo do que eu quiser!


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