Desde sempre tive mais vontade das letras. Minha
inclinação, desde cedo, despencou para a coisa da palavra. Textos, livros,
músicas, poesias...
Lembro que, ainda menina, sublinhava trechos
de livros e reescrevia-os num caderninho ensebado que me acompanhava; depois os
transformava, desenvolvia, fazia-os virar histórias. E assim vim caminhando até
aqui: me maravilhando com quem tem boas ideias e sabe trabalhar as
palavras.
No entanto, minha memória nunca me ajudou.
Lembrar de um autor, uma poesia, uma citação é um sacrifício que quase sempre
vira em nada. O estranho, esquisito, improvável é que a cabecinha tão fraca
para as coisas da palavra, consegue carregar muitos números. Por que será?
Veja só:
Decorei o número do meu CPF, do RG e do passaporte
Placas de carro? Sei a do atual, de três
anteriores,
do da minha irmã, irmão e mais uns cinco
contando com a sorte.
Sem olhar consigo dizer o CEP de casa e do
trabalho.
Três bancos: seis cartões, várias combinações de
senhas e nenhuma cola.
Três bancos: 12 números para as agências, 15 para as contas, caçarola!
Sei também as datas de aniversário dos
filhos, dos pais e dos irmãos,
de uma meia dúzia de amigos e daqueles que
entram na cabeça sem explicação.
Caraca! E há manequim, idade, calçado,
tamanho do sutiã, número do prédio, do apartamento, da birosca da esquina, dos
e-mails, estações de rádio, canais de TV...
E os telefones? Móvel e fixo de Fulana,
Beltrana e Cicrana, os ramais dos colegas, multiplicados por 10, por 20,
quantidade pra lá de insana.
Há ainda as memórias da infância: do número
da casa da avó, do endereço da melhor amiga, da idade em que se pensava casar,
do número de filhos que se planejava ter, as fórmulas matemáticas, mesada aos
10 anos, aos 12, aos 15...
O mais engraçado de tudo é que os que não
consigo lembrar de jeito nenhum são os romanos; deve ser porque em vez de
números eles são letras,
Coisa ordinária, caso freudiano!