quinta-feira, 26 de setembro de 2013

conhecer os desejos da terra


Eu, ainda menina, comecei meus sonhos de futuro a planejar para minha vida adulta ser carteira ou caminhoneira. Sempre penso nisso, muitas vezes falo (e até já escrevi aqui). E ontem, depois de tantas vivências durante o dia e parte da noite, eu fiquei a pensar que, de alguma forma, eu cheguei aos dois objetivos. O meu ofício não se reconhece em nenhum desses nomes, mas ganho as estradas, dobro esquinas, não tenho mais parada e levo, deixo, entrego e recolho muitas mensagens. Sou ou não uma caminhoneira-carteira?

Voltei de Apucarana há pouco. A experiência com a trupe da Caravana da Poesia é muito rica e rara e cara e repleta de beleza: profissionais competentes e seres humanos da melhor estirpe.

A Caravana é viver a festa de estar de bem com a vida!

As vezes, a estrada, o asfalto, o ônibus, o vascolejar não permitem conversa e todo mundo sossega e descansa. Nesses momentos sempre me aparece alguma coisa de muito interessante pela janela e fico meio queixosa por olhar beleza sozinha sem dar tempo de dividir...
E foi assim boa parte da peregrinação da volta: me espichei nos bancos e viajei meio acordada para não perder o sonho e meio dormindo para não perder a vista – ou vice-versa.
A paisagem corre rápido demais e não dá nem pra pensar em foto. Mas gravei na retina, testemunhei solitária três guris a empinar pipa às 10 horas da manhã numa BR vazia; vaquinhas em pose a pastar em cenário estrangeiro; mãe com três filhos a andarilhar sabe-se lá de onde pra onde; casinha com chaminé em fumaça; lindo campo de trigo (e para esse houve tempo de apontar para os amigos, parar ônibus, fazer pose e tirar fotos – e eu até agora não vi nenhuma...).  

No caminho acontece tanta coisa: no caminho mesmo, lá fora, a correr na vitrine do ônibus. Mas acontece também dentro, dentro da gente (só para não escrever dentro de mim), porque a estrada é lugar de muita coisa, a travessia de um lugar para outro inspira que esse movimento aconteça dentro também. E quando isso começa me dá duas vontades: a primeira, de lançar âncora, desligar motor e parar imediatamente; a outra é de aproveitar o embalo e me jogar e viajar do Oiapoque até Nova Iorque e super levar em conta o Rosa quando tascou que “Todo caminho da gente é resvaloso.
Mas também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!”.

Aos amigos que permitiram que o trabalho se transformasse num maravilhoso encontro, todo meu agradecimento nesse texto estilo samba-do-crioulo-doido... 
E amanhã, desço a Serra do Mar para nova aventura.


domingo, 22 de setembro de 2013

menos um piá curitibano...



Esse ano miserável continua a arrancar pessoas daqui...

Hoje acordei com a notícia da partida do Paulo Chaves.

Eu tive com ele momentos muito intensos de convívio. Dividimos por oito anos a rotina, o cotidiano, os desentendimentos, as brigas, as conquistas, a luta. Cada um lutava pelo que achava justo e certo. Muitas vezes fomos adversários. Em outras, aliados. Em todas o bom combate!

O importante da história é que ele sempre foi um homem honesto, trancado em suas decências, sem deixar frestinha para circular o que não acreditava certo.

Há muita comoção nas horas de partida. Eu mal consegui segurar minha onda, quem diria a da família...

A gente sabe dessas coisas desde que nasce, mas nesses momentos, em que fica muito estampado o nada no mundo que todos somos, dá vontade de chorar. Chorar debruçada sobre o amigo por ele e por nós que ficamos por aqui a nos engalfinhar na miséria da sobrevivência diária...

Eu estou muito aborrecida, chateada, sentida com a morte de um homem bom, do bem. Um maluco que muitas vezes sacrificou os próprios sossegos para dar conta do que achava correto para o momento.
Mas, como ele mesmo nos dizia, segue o baile...

Fui...
Tudo que eu queria era estar aqui
Ser algo importante ou necessário
Hoje acordo e me deparo,
Vazio, transitório, inócuo, falso emissário
Cegueira d’alma
Verdade única: tempos de piá
Vida improvisada, pulsar acelerado
Querendo futuro já
Esquecendo de aproveitar, conformado
Os sons, as dádivas, os sinais.
(PChaves)

qualquer dia a gente se vê...



Hora de fazer as malas, abastecer o espírito, reorganizar repertório e ganhar novamente a estrada. A Caravana da Poesia tem como destino Apucarana. 305 quilômetros em linha reta, 365 de asfalto. 

Cresci ouvindo minha mãe disfarçar palavrão com a expressão "Pucarana!", no mesmo ritmo e métrica que a gente solta um "Puta Merda!". Não sei se em outros lugares, em outras famílias, em outras bocas isso também acontece, acontecia... mas na minha infância foi assim.
E por isso, o nome da cidade me lembrava tropeção, batida, descontentamento qualquer...

Hoje, sei bem, Apucarana é em tupi-guarani  "semelhante à própria floresta"; é cidade bacaninha, com cerejeiras por todos os cantos, tem pracinhas lindas, maravilha de catedral e ruas, com as molduras vermelhas do interior do estado no rodapé dos meio-fios, que levam e trazem gente tranquila... 

Depois do problema do café, da geada negra na metade dos 70, o lugar conheceu a dureza das cidades que não produzem, que não têm matéria prima, que têm gente demais e poucas opções. Viu seus filhos empobrecerem, mudarem a procura de lugares onde empenhar a força de trabalho em troca de sobrevivência mais digna. "Pucarana"! 
Mas da dificuldade a cidade saiu mais forte, inventou outras possibilidades, abriu espaço para novos caminhos, convidou indústrias, replantou o café, tem milho, soja e feijão. 
Virou a capital do boné - fabrica mais de 2 milhões por mês, sabe o que é isso, companheiro? 80% da produção nacional.
Para Apucarana eu tiro meu chapéu!
E enquanto os cães ladram, a Caravana segue...


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Com a Caravana da Poesia, em Toledo


A trupe, como sempre, curinga de possibilidades: músicas, conversas, filmes, planos, ideias. Trocas. Poesia.
O Paraná, visto por dentro, de planalto em planalto, é plano, verdinho, reto. Uma ou outra casinha no caminho que são mais solitárias que nenhuma casinha no caminho. A identificação das cidades mais exibidas, que contam nomes, dão boas vindas, te chamam pra voltar. As notícias tristes da estrada, que fazem pensar muito e agradecer. As comidas e banheiros de beira de estrada. 
O caminho... que é tão importante quanto o destino! 

Descer do ônibus em Toledo, foi que nem beber Jurema...
Um calorzinho que cai tão bem ao corpo, à pele, à alma. Chega de usar meias! Basta de cachecol! Adeus casacão!
É hora de deixar que o corpo respire, transpire, inspire. 
Animado grupo nos esperava em caravana: um carro atrás do outro, bexigas, buzinas, sorrisos. Era a procissão da poesia que nos escoltou e seguiu até a praça em que o Poetinha em bronze, em pé, com violão na mão inspirou cantoria. Vinícius de Moraes, feito Jesus em altar, recebeu nossas orações do jeito que ele mesmo as criou. 
Um dia com destino e chegada em Toledo vale por muitos!
Vinícius, velho, saravá!

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

deixa o mato crescer em paz


Eu gosto de trabalhar bem cedo. As vezes é tão cedo que ainda é ontem... e nessa manhã foi assim. Eu estava a ler, escrever e tentar há horas e o dia apareceu: o movimento dos carros na minha janela, as gentes seguindo para o trabalho, a cidade a sair de casa. De repente, novo som. Uma motosserra. Uma motosserra bem aqui no centro da cidade. Barulho infernal.

Fui à janela.

Pra minha grande surpresa, homens retalhavam a maravilhosa árvore do outro lado da rua. Logo ela, que me garantia sombra nos raros dias de calor curitibano. Logo ela, que era condomínio dos passarinhos que se aventuram à serenata matinal. Logo ela, que era parada obrigatória nos passeios do cão. Logo ela, tão grande, tão robusta, tão cheia de vida e tão firme!

Abri a janela e gritei. Eles não ouviram. Gritei mais alto. Nada. Como a motosserra é mais escandalosa, uma moça que passava na rua, cutucou o dono do serrote e me apontou. Motor desligado, silêncio. Perguntei o motivo do corte, ele levantou os ombros e com o olhar comunicou a não-responsabilidade do ato.

Mais tarde, a investigar a situação, descobri que a árvore não tinha sido atacada por cupins, não estava doente, não ameaçava transeunte. A árvore, mais saudável que eu, estava lá a cumprir o seu papel diário de árvore: fotossíntese, sombra, passarinho, cão, beleza.

No chão, galhos em toco, ninhos vazios, folhas soltas, folhas mortas. Membros sem corpo.

Quem pediu – e sabe-se lá como conseguiu! – o seu tombamento do mal foi a vizinha. As folhas e frutinhos entupiam as calhas de sua casa e ela volta e meia “tinha que chamar o homem para limpá-las”.

Pode isso, Arnaldo?

Pensei mil vezes antes de contar do meu descontentamento: avaliei, troquei de lugar, abri parênteses. Conclusão: não cabe a política da boa vizinhança nesse caso. Relações cortadas pelos próximos 50 anos, tempo para árvore voltar a ser o que era e para nós duas não sermos mais.