quinta-feira, 24 de outubro de 2013

estampas eucalol



Meninos, eu vi!
E foram tantas coisas que nem sei como a retina aguenta, a cabeça processa, a memória guarda.

Eu vi por do sol na praia, fotografias antigas, barriga crescendo, caminhão de mudança.
Eu vi avião subindo, margaridas se multiplicando, enfermeira enlouquecida, cantor a fazer lambança.
Eu vi a Torre Eiffel, macarrão na panela, rádio velho, pé quebrado, homem sugerindo contradança.
Eu vi o poeta e vi o rei. Vi rótulo de refrigerante, negro gato, seleção verde e amarela, vi sinal de esperança.
Eu vi o chofer, o pescador, o céu lilás, o rio Guaíba, a coleção de figurinhas encantando criança.
Eu vi Iracema, Capitu, Firmina, Ema, Dalva, menina de trança.
Eu vi balão colorido, bandeira, coqueiro, girafa, sistema solar, nova vizinhança.
Eu vi prédios altos, cabelo esvoaçante, holandesas, casamento e aliança. 
Eu vi!  

E daí, Adriana? Testemunha ocular, somos todos, o tempo inteiro! Grande coisa, quanta besteira, isso cansa!






segunda-feira, 21 de outubro de 2013

o que a insônia me dá:



espaço, tranquilidade, propriedade, desarticulação.
silêncio, sossego, saudade, solução.
amor próprio, coragem, cara limpa, compreensão.
leitura, Bach, Baco, imensidão.
olhar, possibilidade, além, equação.
riso, guiso, siso, contra-mão.
choro, beleza, dentes, perdão.
cuidado, cadência, ciência, certidão.     
tristeza, sono, solidão? isso não!


sábado, 19 de outubro de 2013

a plataforma dessa estação é a vida...


Nessa semana, a Caravana da Poesia encerrou as atividades. A última viagem da temporada foi em Ponta Grossa.

A escola em que estivemos estacionados com o ônibus e em movimento com o espírito é linda! Eu, que sou a rainha da pesquisa e informações sobre os lugares em que nos aventuramos, não sei o nome, não sei da história, a idade ou qualquer outro detalhe... 
Dessa vez, só descobri o que meus olhos viram: um espaço externo do jeito que tem que ser, com árvores imensas, generoso bosque, passarinhos cantores e uma piscina seca, com tanta poesia a transbordar em sua solidão de azulejos que chega a ser comovente. 

Por dentro, corredores de batalhão, janelões abertos a acariciar cortinas azuis, portas pesadas. Pé-direito tão alto e distante que deixa a gente pequeninho na imensidão das salas.
Em excursão interna, descobri como pode ser grande uma cozinha e como os fogões à lenha, esmaltados, conservados e bonitos se transformam rapidinho em objetos de desejo. E descobri mais! Escadas lisas e brilhantes que mais descem do que sobem, levam para porão que guarda todo tipo de reminiscências, pedaços de todas as épocas, restos do passado, histórias dos trecos... tudo atiça a imaginação e se amontoa na franja da memória. 

Disseram que a escola foi seminário, deve ter sido, tem todo tipo, mas não sei, não perguntei. 

Há o reconhecimento do belo por todos os lados e nisso até em causas maiores: 23 graus, sol e ventinho suave a balançar os cabelos das meninas. 

Que bom que a última estação de nossa Caravana foi em lugar assim, com tanta beleza a se derramar em nós...

A bênção, Vinicius! 

domingo, 13 de outubro de 2013

nos fios da memória

Eu tive os melhores avos do mundo! Os pais da minha mãe eram pessoas sensacionais, diferentes, complementares. Sabiam da felicidade dos netos. 
Ontem, minha prima Giovana, que não teve a mesma sorte de convívio que eu e meus irmãos, me pediu para contar um pouco sobre o Estefano, o dono do sobrenome que visto. 

Gio, 
O vô era um homem grande, bonito, vaidoso. Lembro bem de suas camisas, seus sapatos, o pente no bolso, o cabelo castanho escuro - as custas de tintura. A loção que usava tinha o cheiro dele, nunca mais senti. 
Passos firmes, voz alta, olhar seguro. Nenhum vacilo. 
Homem decente. Boa alma!

Lembro-o já aposentado e cheio de rotina: todos os dias dormia depois do almoço, as vezes no sofá da sala da frente da casa da vó, as vezes no quarto; depois da soneca caminhava até o bar que tinha no muro o carimbo da Crush ali na Rua Minas Gerais mesmo, jogava bocha e conversava com os outros avôs (nunca soube dessas conversas, porque ele tinha por princípio não levar menina ao bar, pena!); na volta esperava o resultado do bicho com a vó, jantava e ia cedo pra cama. Todas as segundas-feiras almoçava lá em casa e se eu estivesse de férias ia com ele, que mantinha seu cotidiano: soneca, bocha e papo. 

O vô era super animado, ativo, falastrão. Ele adorava aquelas loucuras de jogar a gente pra cima, carregar nas costas, rodopiar no ar, fazer cócegas e comentários engraçados (tipo o teu pai, mas mais leve). 

Quando não gostava de uma coisa, virava confusão na hora (tipo minha mãe, mas mais acentuado), ia logo despejando seu descontentamento sem pena das pobres almas que estavam em volta. 

Ele era divertido, gostava de conversar e não tinha pessoa que ele não puxasse papo (tipo nossa tia, mas ainda mais extrovertido), falava pelos cotovelos e exigia atenção. 

Criança grande, as brigas com os netos eram sempre por conta do maior pedaço de bolo, do último gole de refrigerante, do canal da televisão, essas coisas que eu, o Clé e o Zeca disputávamos também. 

Todas as segundas-feiras eu o esperava atrás do pé de jasmim para assustá-lo, ele fingia muito bem: gritava, colocava a mão no peito, dissimulava surpresa, falava meia dúzia de desaforos e depois me erguia no colo, me jogava pra cima e eu anunciava feliz para que a rua inteira soubesse "mãe, o vô chegou!". Quando ia com ele pra casa, no caminho sempre contava a mesma história, a inventar que ele e o Zé já tinham nadado naquele rio que fica na metade do percurso. Eu, espoleta, também queria e as respostas me alimentavam a imaginação: "talvez na outra semana / quando fizer calor / o rio precisa estar mais cheio / o rio precisa estar mais vazio...". 

Ele que me socorria quando a maldição da bala Soft parava na garganta: me segurava de ponta-cabeça pelos pés, a deixar que a gravidade fizesse seu trabalho. 

Nas minhas armações infantis com o Clé, o vô sempre brigava com ele. Todas as vezes me poupou das broncas e não passava relatório pra minha mãe. No máximo soltava "por que vocês não vão brincar na pracinha?". 

Ele tinha umas coisas: comia macarrão com leite; escovava os dentes com carvão; gostava de lidar com a terra; pegava pêra no pé e mordia imediatamente; mesmo com o chaminé que era a vó, parou de fumar; adorava couve e bacon, pinhão na chapa e frango ensopado; desligava a TV na hora do comercial. 

As vezes a vó falava umas poesias pra gente e ele torcia o nariz, mas cantava esparramado, feliz da vida, As Mocinhas da Cidade. 

Eu não fui ao velório e ao enterro, sua última imagem pra mim, já enfartado no chão da cozinha da vó, quando estávamos chegando para o almoço de domingo. Essa cena nunca mais me saiu dos olhos. 

Uma vez sonhei com ele, e foi só uma vez. 

Ele foi um avô sensacional, Gio. E, melhor, foi um grande homem! As pessoas falam dele com admiração, com respeito, com amor. 
Pena que foi embora tão moço, tão cedo, sem espalhar aquilo tudo em você, na Dani, no seu irmão e em nossos filhos... Pena! 

A infância, para ser completa, precisa de um avô como o nosso!

Gio, as fotos dele não estão aqui. Quando eu for lá na
mãe, as pego.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

te sinto mais bela...


Filha,

Eu já escrevi mil vezes para você: bilhetes, cartinhas, emails, mensagens, posts no Facebook, no blog. Já fiz versinho, declarações infinitas, afirmações de amor, de respeito, de admiração.

Eu já tirei um milhão de fotos: da sua fofura de neném, dos seus sorrisinhos de criança, de seu olhar de menina e, recentemente, de suas poses de moça.

Eu já senti orgulho de tanta coisa: da primeira música que você aprendeu a cantar “Corra e olhe o céu, bom dia!”; dos versinhos iniciais que você recitou “Ou isso ou aquilo”; da sua primeira vez no palco (logo em solo, logo no Guairão); da sua primeira vez na tela (logo de protagonista, logo no cartaz); dos seus boletins; de suas soluções, de suas vontades, de sua coragem, de sua independência...

Eu já agradeci a você, aos céus.

Sempre digo que se não fosse sua mãe, queria ser sua amiga, sua colega, sua tia, sua vizinha, sua madrinha... de alguma maneira ter você em minha vida e poder fazer parte da sua!
Porque eu adoro o seu humor ligeiro, sua inteligência nas respostas, seu olhar sensível, suas ironias precisas, suas perguntas intimidadoras. Eu adoro cada pedacinho seu e adoro tudo junto, a formar uma pessoa cheia de atitude, de dignidade, de bondade.

Acho o seu cabelo lindo, admiro sua habilidade com as emendas femininas (maquiagem, unhas, etc.), gosto muitíssimo do jeito que você escreve e descreve.

Você sempre será minha filhinha, minha borboletinha, meu pedacinho de céu, meu olhar de estrela.  

Que nesse próximo ano você continue a reconhecer o bom da vida que se espalha ao seu redor, a ser puxado feito imã pela maravilha que você é!

Feliz aniversário!


(olha você aqui, aqui, aqui, aqui e aqui!)


1. grávida de cinco meses / 2. é uma menina! / 3. a brincar
4. muito amor / 5. reflexões / 6. com o cão
7. marrenta! / 8. operária em construção / 9. guria linda!

domingo, 6 de outubro de 2013

retrato

começo sem fim
sem pena, nem medos 

em voltas
      pé em Deus
      carrego todos, os meus e os seus

subo sem rumo
alcanço estrela
rolo feito pedra
        que pesa, amassa e ruína

levito
sou como pluma
         como véu e como espuma

no fim o começo de mim.