segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

da chegada do sublime


Eu não formei muitos pares. A inclinação de interesse na vida alheia sempre me fez preferir relacionamentos longos, com mergulho na vida do parceiro, conhecimento das particularidades, essas coisas.
Mas me envolvi com tipos variados.

Tive namorado que era perfeito para os programas de música. Se eu não lembrava o nome de um compositor, ele revelava certeiro: Vicente Barreto! Antes de eu saber dos shows que aconteceriam na cidade, ele chegava com as entradas. Disco novo no mercado?, eu conhecia todos antes do lançamento. Mas ninguém ama uma pessoa só porque ela também é fã do Tom Jobim.

Um outro me ensinou a me divertir. Me levava para dançar, saracoteávamos até o corpo não aguentar mais. Teatro, cinema, parques... a vida acontecia na hora do recreio. Mas ninguém ama um homem só porque ele sabe curtir os prazeres.

Depois veio aquele das conversas intermináveis sobre assuntos inesgotáveis. Falávamos sobre tudo e tudo nos interessava. Horas e horas de papo. Mas na prática, ninguém ama ninguém por conta de suas teorias.

Também passei pela fase de ser mantenedora da felicidade alheia. Jactância de papel importante: sem mim, a criatura não poderia ser feliz. E me esforçava em cuidados, preocupações, abdicava de minhas vontades para lhe ceder meiguices. Mas ninguém ama quem lhe empalidece os cabelos pelo prazer de ser cuidado.

Com tantos tropeços e sem os entendimentos claros na cabeça, o amor chegou. O amor chegou e pronto, se estabeleceu sem explicações, com um monte de informações contraditórias e situações antes insuperáveis. Ele não gosta de Paulo Cesar Pinheiro?, e daí? Ele não vai a festas?, ótimo, ficamos em casa. Não há teorias imensas?, melhor, sobra tempo para os beijos. E assim por diante.

Eu não sei o que define o amor, o amado, o amável, o amante. O que eu entendi é o que ele me causa, no que me transforma e como modifica minha existência. Também saquei que é assim que quero me sentir pro resto da vida e que não há outra forma de viver de agora em diante, a não ser esta, dentro do sublime.



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

a vida se repete na estação



Eu mudei de casa recentemente. Como da última vez e da penúltima e da anterior e em todas as vezes, e acho que como acontece com todo mundo, os espaços são diferentes. Outras paredes, outras metragens, outras composições. Mas a coleção de objetos que insisto em carregar é a mesma.

Há coisas que eu sei que sempre me acompanharão e elas vão ganhando a companhia eterna de outras que chegam e se estabelecem como parte da vida, como narrativa das importâncias até aqui e depois.

Minha casa se transformou no cofre da minha memória e tudo tem história sagrada: caixinhas, quadros, girafas, rádios, baús... tudo conta um pouco de mim, dos amigos, da família, das pessoas que quero bem e que bem me querem.

Nesses momentos faço o treino do desapego, de deixar para trás o que serve muito bem para outros e que já não me diz nada. Sofro com o medo do arrependimento, daquele que vivemos quando arrumamos os armários a pensar que iremos emagrecer uns quilos e ainda caber na calça novinha que está à beira de ir pro espaço, ou daquela moda que poderá voltar e permitir que não se saia pelas ruas como se estivéssemos acabado de desembarcar do túnel do tempo, ou ainda a difícil consciência de transformar em pano para limpar os vidros a camiseta toda esburacada...

Parece tarefa boba e desimportante, mas tem nessa mudança de espaço muito de se saber quem é, de se reconhecer nas próprias escolhas, de encontrar a medida da peneira, de olhar pra trás e enumerar a vida.
Foi  isso que aconteceu comigo. Ao ver fotografias; embalar taças; encontrar entradas de cinema, shows e teatro; descobrir diários antigos, anotações em agendas velhas, cartas e bilhetes de outros tempos. O que está na memória muitas vezes tem forma, cor, cheiro, é possível ao tato...

A história da gente é feita de permanências e rupturas! 



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta...



Tela vazia, papel em branco, nada a escrever, nada a declarar.


Mas quando foi que comecei a ficar sem assunto? Em qual esquina eu deixei cair o pacote com as ideias da escrita? Por que que isso acontece assim?

Pensei um milhão de assuntos diferentes e nenhum deles rendeu nem duas ou três linhas. Pensei em seguir em frente dando dois passinhos pra trás e lembrar de qualquer coisa que me fizesse distribuir o passado pelo papel. Nada. Pensei em deixar que um livro de outro, um texto de alguém me inspirasse sobre o que dizer. Nada, nadinha.

Uma vez estava sem tema e acabei escrevendo sobre o que eu tinha na geladeira, parece sem graça, mas como por aqui há algumas coisas guardadas mais por valor sentimental que por consumo propriamente dito, virou texto interessante e divertido. Teve outra vez que minha completa falta do que dizer se transformou na comovente memória de quando dei meu primeiro beijo. E, para exemplificar onde chega o desespero da falta de musa, até sobre os estacionamentos onde deixo o meu carro já escrevi em época não menos desajeitada que essa.

Estar sem discurso até poderia ser facilmente superado: seria só me trancar em casa, ler, ouvir, ver... ou sair por aí, encontrar os amigos, conversar com os amigos, ouvir os amigos... ou qualquer coisa e pronto. Mas eu tenho a necessidade da escrita. Preciso.

Não ter sobre o que batucar é como tomar o veneno da monotonia. É perder a garantia da sanidade. É o começo do fim, ou é o fim.

Não conseguir escrever uma linha interessante é tão difícil quanto comer cachorro-quente com salsicha de soja em pão integral com maionese light. Não ter assunto é como olhar lua, estrelas, árvores, flores e não repará-las. Não conseguir conversar sobre nada é como se nada do que vivi até aqui tivesse acontecido de verdade.  

Eu não sei porque esse tipo de tragédia está a despencar por aqui. E só para não esquecer como se acentuam as palavras contei sobre isso, mas continuo desesperada atrás de ideia... enquanto ela não chega, vou lavar roupa.