quarta-feira, 24 de julho de 2013

Domingos,

Eu soube  ontem que você foi embora. A Lívia me contou, os amigos me contaram, a televisão me contou. Esse sentimento de solidão me contou.

Fiquei muito triste. Mais triste do que quando fui ao hospital te visitar – nunca pensei que iria visitá-lo num hospital! Mas agora sinto, minha existência egoísta, falta dessa possibilidade.

Eu tenho guardados nas gavetas da memória tantos recortes da sua presença: lá na outra casa, no Pudim, na rádio, no Torto, no Ceará, no hotel, outro hotel e outro, aqui em casa, no restaurante (todos os restaurantes), nos palcos, nas conversas sem fim pelo telefone...

Tenho todos os presentes que você me deu, e quase não tiro do pescoço o globinho laranja, a “terra em chamas”. Embora as crianças tenham crescido, guardei as roupinhas dos manequins infantis, para que daqui uns anos eu possa dizer “foi o Domingos que te deu”.

Tenho o grande troféu de vida na música feita pra mim, com meu nome, com seu talento e improviso.

Tenho, sobretudo, a sua presença bem dentro aqui. E a grande felicidade de poder desfrutar de sua amizade.

Nosso mundo, o da música e o outro, é melhor porque você pisou aqui.

Minhas mãos estão geladas, não consigo mais escrever. Um grande beijo, com toda minha gratidão!



... o bom da vida vai prosseguir...
o registro é da Lina Faria


terça-feira, 23 de julho de 2013

essa é a Curitiba que eu viajo


Estamos todos aqui, a passar frio, a bater queixo, a guardar imensos cestos de roupas pra lavar, a desmarcar compromissos e a maldizer o tempo...

Mas a nossa vida curitibana é capaz de coisas impressionantes. Uma neve simbólica, uma neve que não é neve. Uma neve que institutos sérios de meteorologia não botavam fé, mas que se materializou acho que pela força de vontade da cidade.

Chuva congelada? E daí? Aqui em casa pulamos da cama felizes da vida hoje pela manhã e comemoramos aquele frio de cortar os ossos. Lívia, Dé e eu saímos pela rua numa alegria meio inexplicável, a comemorar sabe-se lá o quê, numa diversão por existir, só por existir.

E nesse clima, andamos em alvoroço pelas ruas próximas. E encontramos nossos patrícios, a serem o que são, a se comportarem como sempre. Aquela nevezinha caindo deitada, branquinha, bonitinha, em floquinhos nós três rindo e um monte de gente que estava a marchar para o trampo de terça-feira, olhava com ar de desprezo, com aquele jeito tão nosso, tão blasé, a desprezar o fenômeno e se concentrar na própria vida.

Essa é a Curitiba que eu viajo: ninguém fala com ninguém, ninguém se comove para o próximo, em público. Cada um segue sua vida. E pronto! A Curitiba de Dalton: província, cárcere, lar!

Nós três, ainda bem, tínhamos uns aos outros para a partilha e a incrível felicidade de poder comemorar coisa simples, boba e fugaz.   

acho que logo mais tem mais, ou menos

adoro a cafonice de ficar empolgada com isso!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

eu?


Insisto no fio da navalha,
a colecionar mágoas
a fingir sorrisos
a contar acordes.
Cresço em asas,
sufoco raízes
piso na terra
miro pro alto.
Olho no espelho,
derramo o sol
atiro em flor
caminho pra frente.
Colo o que sobra,
varro cacos
desmonto certezas
orquestro movimento
insono tranquila.  

as máquinas que me fizeram feliz


A primeira vez que fui feliz devia ter uns quatro pra cinco anos. Eu ganhei uma maquininha fotográfica de plástico que, ao clique, pregava uma peça: lançava água no candidato ao retrato – era como a florzinha na lapela do palhaço. Minha primeira vítima foi meu avô, que me fazia acreditar que aquilo era uma surpresa pra ele.

Na segunda vez, eu precisava registrar e revelar. De presente de aniversário veio uma Love, daquelas em que a gente torcia o flash para girar o filme. Muitas poses. Muita imagem tremida. Muita revelação. Eu e minha melhor amiga de infância, a Malu, gastamos tardes a clicar, clicar, clicar... Nem sei se ela lembra.

Depois, as urgências adolescentes me fizeram ter uma Polaroid: saber imediatamente era preciso! E eu me abanava com a fotografia a apressar o resultado: vô, vó, tios, tias, irmãos, pais...

Ainda na forma analógica, fui feliz com uma Yashica. Era o tempo das paisagens: pantanal, cataratas, praia, por do sol. Adorava empurrar a manivela do filme com o polegar. Amava, puxá-la para rebobinar a fita. E naquele momento descobri quanto custava uma revelação: várias economias para os filmes, antes e depois dos retratos.

Com a mesma Yashica, fui ainda mais feliz quando ganhei uma lente. E depois mais outra, e depois o flash. O conjunto anda por aqui, espalhado em casa, a percorrer a curiosidade dos filhos. E, de vez em quando, descubro o valor dos filmes – para comprar e para revelar.

Da penúltima vez que fui feliz, foi de forma digital. Me esbaldei em fotos que não precisavam de tanto cuidado, uma, duas, três, dez, 20, 100 tentativas até conseguir coisa decente e comemorar pseudo-talento.

A felicidade me alcançou pela última vez, quando comprei um celular com máquina embutida. Sair por aí sem precisar levar treco algum a mais e mesmo assim poder fazer os registros do que acho justo, é insuperável. Um pássaro?, um avião?, um super homem? Tanto faz! É só sacar o telefone e fazer o caminho: clique, computador, pendrive, loja. E descobri, feliz, a popularização das revelações.  

Todas as minhas felicidades sempre foram sem conhecimento, sem talento sempre no automático...

Isso tudo, essa história toda, é pra só pra dizer, e só pra isso!, da minha admiração por quem sabe fotografar, pelo fotógrafo, pelo profissional!   

quarta-feira, 17 de julho de 2013

de escola e outras coisas


Eu estudei no Colégio São José. Não fui santa, não fui bem comportada, não ouvi de cabeça baixa. Mas fui ótima aluna de notas e conteúdos. Dia desses encontrei um boletim que atestava o registro mais vil em Física: sete pontos no terceiro bimestre a manchar um documento que não conhecia nada abaixo de oito (falho sistema!, nunca fui digna de sete em Física, a não ser que acertar o próprio nome numa prova valesse tanto assim).

Lembro com muito respeito, e pouca concordância, das freiras, do rigor das freiras, dos pensamentos das freiras... mas tenho também no cabide da memória a imagem da minha querida Vera (hoje professora da PUC, ontem mestra de meu filho) revolucionando momentos ao permitir reflexões alternativas à Ordem; também estão pendurados em mim os mantos das aulas de Língua Portuguesa, a utilizar música e poesia para as inexplicáveis regras gramaticais; e o sufoco do ginásio na cobertura; e as conversas infinitas com as amigas. E lembro muito, e sempre, da freira que cuidava da biblioteca a perseguir minha irmã atrás de um livro da Helena Kolody.

Um dia desses voltei ao prédio do São José e fiquei muito impressionada. Parece que o espaço encolheu, que os muros cresceram, que o ar diminuiu. Estranhíssimo como me senti oprimida! Acho que é igual tudo na vida: uma vez fora, a respirar liberdade, é impossível olhar o cárcere da mesma forma.     


domingo, 14 de julho de 2013

saudade


“Saudade é a nossa alma dizendo pra onde ela quer voltar”, por muito tempo concordei com Rubem Alves nessa sentença. Mas hoje, a pensar sobre pessoas, lugares, situações, objetos e toda uma fatia agradável do meu passado, discordei do mestre.

Quem sente saudade nem sempre quer voltar. A saudade nem sempre é descontentamento com o presente. E eu, que sou a rainha das listas, relacionei minhas saudades que não me torturam, só contam de um jeito gostoso a vida que vivi até hoje, e que ficou pra trás lá naquele tempo sem evocação:

Eu sinto saudade: 
- da Tia Lourdinha, minha professora da terceira série e seus chiliques de uma vida de dedicação ao magistério;
- de ir pra escola me sacudindo no ônibus tipo chaleirinha;
- dos Corcel II do meu pai trocados a cada dois anos;
- do inverno com geada pesada e as brincadeiras de cortar gelo;
- da coleção de papel de carta;
- dos cinemas do centro da cidade;
- das viagens para São Paulo – a família toda empoleirada no carro;
- da obrigação de comprar leite todos os dias na venda da esquina;
- das intermináveis voltas de bicicleta pelo bairro;
- da torração da mesada em LPs recém-lançados;
- de assistir, quieta e fascinada, meu irmão a montar seus aviões Revell;
- das saídas às escondidas para assistir shows de rock;
- da emoção do primeiro salário do primeiro emprego;
- das tardes de códigos e farras com minha irmã – BNU;
- de ver o Dé com o primeiro uniforme escolar;
- de fazer chuquinhas nos cabelinhos alvoroçados da Lívia;
- de estar grávida, com barrigão imenso e disposição proporcional para a vida; 
- de viajar sem mala, destino ou hora de chegada.

É claro que essa lista não acaba. Ela é a própria vida, os bons momentos que a compõem, o retrato do cotidiano comum que não marca época nem desassossega o peito quando passeia pela memória. 

É bom olhar pra trás e saber que se foi feliz. Feliz sem saber, como cantou Gonzagão em letra de Humberto Teixeira...

 Se a gente lembra só por lembrar...

segunda-feira, 1 de julho de 2013

nove experiências



- Rua XV (o calçadão da XV é o meu chão. Devo ter dado meus primeiros passos naquele lugar. Aprendi a olhar pra cima e ver as construções, a olhar pra baixo e seguir o caminho, a olhar pra frente e reparar as pessoas, a olhar pros lados e anotar vitrines (do Rei do Disco a H Stern, da Gênova a Savoy, da Famílias ao Café da Boca de nome francês que não me lembro mais). Todos os caminhos levam à XV! Eu ainda era muito criança, e foi por lá que me foi permitido passear sozinha pela primeira vez. Me lembro de ser muito menina, com uma saia godê vermelha com estampa de estrelinhas brancas, a andar por toda sua extensão e celebrar minha primeira liberdade.) 


- Hotel Glória (eu devia ter uns oito anos e a família foi passar alguns dias de férias no Rio de Janeiro. Nos hospedamos no Glória. Eu fiquei encantada com o hotel: os corredores luxuosos, os quartos amplos, a luva branca do ascensorista, o impressionante café da manhã e a piscina imensa, com cascata, vestiário e seus incríveis acessos e espelhos. Num dos dias de passeio, consegui, sabe-se lá com quais argumentos, a convencer meus pais a me deixar um tempo no hotel. Meu irmão me fez companhia e nos divertimos pra valer em cada metro que conseguimos ocupar.)


- Beto Batata (o Beto, com toda generosidade que todo mundo conhece, uma vez preparou festa de lançamento dos meus livros. Organizou almoço, chamou músicos, fez divulgação. Ele tratou de tudo de uma maneira muito linda e comovente. Vivi um dia maravilhoso, cercada por amigos, por carinhos, por grandes acontecimentos. Ao final de tudo fui agradecer, ele pegou uns passarinhos de origami e me soltou um punhado na mão: “Voa menina, voa”.)




- Roda de Choro no Parque Barigui (antigamente havia todo santo sábado uma roda de choro num café-quiosque-boteco-lanchonete do parque, a Casa Amarela. Era a glória! Boa música, diversão, clima leve, a paisagem do parque, crianças, cachorro. A família era freguesa. Tenho especial lembrança de um dia: comemorava-se aniversário de Pixinguinha e a música comia solta, muita gente, muito sol, muito calor. Estávamos todos: Dé, Livia, Roberval, Danilo e eu. Meu pai chegou. Os amigos chegaram. Muita gente boa se encontrou sem marcar e lá ficamos até o sol acabar, até o som terminar, até a casa fechar.)



- Antonina (todas as vezes, mas especialmente num final de ano. Eu estava hospedada no Capella, bem no centro, num quarto com janela pra praça. Calor, muito calor. De repente, uma tempestade. Dez e pouco da noite a energia acabou na cidade inteira. A janelona escancarada trazia vento fresco, barulhinho bom e o brilho dos trovões. Dormi. Acordei com a banda da cidade no coreto a tocar as músicas ensaiadas para uma festa programada que tinha sido cancelada por conta da chuva. Ainda caía água, ainda não tinha luz, mas a bandinha se manteve fiel ao compromisso e tocou por mais de hora. No dia seguinte, sete da manhã, a caminhar pela cidade ensolarada: um carro muito velho, com som muito alto, passeava pela cidade solitária, no toca-fitas: “Anunciação”.)


- Clube do Choro (uma vez estava em Brasília num evento lindo que me tinha como principal convidada, lá no T-Bone – vale saber desse lugar. Havia combinado com um casal de amigos a ir em seguida ao Clube do Choro para assistir o Paulo Moura, de quem sempre fui fã. O relógio andava super rápido e as pessoas continuavam a chegar e a ficar. Pelo adiantado da hora eu já havia tirado dos planos o show. Quando tudo terminou, o casal me puxou pela mão e me enfiou no carro, quase meia-noite. As ruas de Brasília, as distâncias de Brasília... quando chegamos, vi Paulo Moura numa escada externa e lamentei minha sorte, achei que tinha acabado de acabar. Qual o que!? Entramos. Muita gente, lugar lotadíssimo. O Reco do Bandolim nos pegou pela mão, nos acomodou na melhor mesa, “reservado” e deu a ordem para um funcionário: “Pode começar!”, Paulo Moura e sua endiabrada e abençoada clarineta tomaram o palco e um dos momentos mais incríveis da minha vida de ouvinte começou.)



- Show do Brasileirão com Sá e Guarabyra (foi numa virada cultural, estava muito calor e havia muita gente. Eu não gosto de multidão, carecia de uma sombra para acomodar a Lívia e ainda por cima precisava trabalhar com o pessoal da TV. Ficamos, as duas, num cantinho reservado, junto com a equipe. Daquele lugar conseguia ver o show e o Dé que se sacudia no meio da plateia. Eu vivia momentos de emoção porque foi naquela época que tudo se confirmava para ele ir embora do Brasil dois meses depois. Quando tocou “Mestre Jonas”, uma das preferidas tanto do Dé quanto da Lívia, nós três dançamos, cantamos, pulamos e nos olhamos. Era a comunhão de muitas coisas com o mais velho solto no meio do mundo e a mais nova agarradinha no meu vestido. Tudo isso ainda foi coroado com almoço entre amigos com muita conversa, cerveja e alegria.)


- Ribeira (quando cheguei em Portugal já havia vivido várias emoções do momento: reencontro com o Dé , reencontro com a Janete, passeios por Paris e arredores, viagens longas, viagens curtas, trem, carro, avião, etc., etc., etc. altas coisas. Quando olhei pra Ribeira, as casas de vinhos, a ponte, o rio, grande Douro!, as lojinhas, barraquinhas, as comidas, as gentes falando português, nós três a contemplar aquela maravilha toda e o Dé a nos contar sobre as coisas da freguesia de São Nicolau, ali, bem naquele instante, cheguei num lugar muito bonito dentro de mim.)


- Santa Teresa (eu acho estranho Espírito Santo não ser um lugar ultra turístico. Conheço pouco, mas tudo que vi aprovei com louvor. A primeira vez da minha vida adulta foi há pouco tempo e tive o grande prazer de ser convidada a um passeio por uma cidadezinha na região serrana. Santa Teresa, a cidade, não tem nada de extraordinário se comparada com as belezinhas do interior desse Brasilzão; a natureza é uma maravilha: um milhão de colibris, flores variadas, sapos cantores, mata atlântica e tal. Mas há qualquer coisa de muito mais especial que isso tudo. Há na atmosfera um clima reinante de lugar encantado, de comunhão com o natural, de liberdade, de transcendência. O tempo pára de mexer.)


Acho que todos esses lugares não são lugares. São instantes que, de alguma forma, me encontrei comigo mesma ou encontrei alguma coisa muito boa dentro de mim...

Todas essas fotos eu tirei da internet, sem créditos, sem assinaturas, sem autores. Uma pena!