terça-feira, 26 de novembro de 2013

o gás que embala o balancê


Eu gosto de ouvir pessoas que sabem sobre o que falam. Sabem não só o saber teórico, lido e aprendido; sabem o saber vivido, sentido e transformado.

Acho que os jovens são assim. Lêem uma coisa aqui, escutam outra ali, compram um livro acolá, levam essa rotina em meio a vida: vão ao parque, ao cinema, ao show, à livraria, ao bar, ao teatro, à festa... tudo a se misturar, a formar os saberes, a mesclar e relacionar aprendizado com vivência.

Os jovens têm a disposição física para jornadas inacreditáveis: depois de livro imenso, um filminho para descansar e tomar fôlego para assistir espetáculo. Ou depois de um papo inesgotável com os amigos, as leituras para a faculdade antes de sair para o cinema. Ou depois das compras na livraria, a imersão na poltrona para leitura, em seguida, os planos de viagem.

Respirar ar puro, tomar sol, conversar com os amigos, observar as gentes, entrar no mar é tão importante quanto se enfiar por dias a fio em bibliotecas, ler todos os jornais, se informar sobre a história da humanidade e fazer cálculos grandiosos.

A vida vivida de verdade. A plenitude dos sentidos. Nenhuma verdade definitiva, tudo em aberto.

É a construção de novo balancê, entre 8 e 80 há finas-flores para serem plantadas e colhidas o tempo inteiro. Os jovens sabem disso – os que eu conheço, sabem.   



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

flecha preta



sobre toda estrada, sobre toda sala 
paira, monstruosa, a sombra do ciúme

Lá em casa definiram os filhos assim: o irmão mais velho não tinha sentimentos menores; a do meio era o tipo boazinha, afogava toda e qualquer mesquinharia nela mesma; a caçula tinha direito a gritos de ciúme.

Nem sei se éramos assim ou se aprendemos de tanto ouvir. Até hoje não sei direito o que era forma e o que era massa na casa da minha mãe.

Eu sou a sem definição: nem o primeiro nem a última. Cresci na solidão do espelho. Correr pra dentro e abafar sempre foi uma de minhas especialidades. Não tenho grandes queixas disso –  aprendi bem a primeira lição.

Na adolescência estava muito preocupada com as praticidades: queria ser independente, vida própria, ter minha casa,  ser dona do meu nariz, regente de minha música. Não tive tempo para revoltas.

Quando o tempo passou um pouco eu estava lá, no meu objetivo, a temperar almoço, a ganhar o pão, a cuidar dos filhos. Não tinha tempo nem ânimo para pensar em sublevação.  

Um dia desses, a conversar feito adulta com minha mãe confessei que sou pessoa ciumenta. Disse que meus olhos ardem, que o sangue ferve, que a dignidade se esvai em ciúme. Citei mil dores de cotovelo.
Mais, contei das minhas verdades de liberdade. Do jeito que acho a vida e como o ciúme não cabe nela. Repliquei todos os argumentos com frases cruas, teorias de pára-choque, letras bobas.
Joguei tudo em tom de rebelião. Só faltou queimar os colchões da casa. A imaturidade que empilha os consultórios... precisava que ela me libertasse para o uso do sentimento. Citei fatos, pessoas, vontades. Também disse que não gosto que sintam ciúme de mim, não gosto de sentimentinhos perto de mim. Falei, falei, falei até perder o fôlego e a cor. Até recuperar a razão.  
A redenção não chegou, ouvi sentença estranha: “Você sempre foi assim, filha. Parece que tem ciúme, mas na verdade não tem. Não pense nessas coisas...”. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

a onda que se ergueu no mar...


Encontrei a solidão. E ela era sem cor e dura e feia e forte. Estendeu-me a mão, seca e áspera. Convidou-me para dançar e sua música era suave e seus passos tranquilos e ela me fez flutuar...


Nos entendemos bem, formamos par: dupla inseparável, proteção mútua. Eu sabia, ela não deixaria que a vida me distraísse, que o mundo girasse, que o corpo tivesse calafrios. E eu a respeitaria, protegeria, a guardaria a chaves, cadeados, correntes, redes, lençóis.

A solidão me deu presentes: livros, músicas, silêncios, calmaria, quietude.

Um dia, sem aviso nem convite, o amor chegou. Fez confusão, abriu todas as portas, destrancou os medos, libertou as vontades e rompeu nosso acordo. Tratou de nos separar.

O amor era colorido e tinha linhas diferentes, sorrisos, animação, sol, estrelas, concentração. Água fresca. O amor me seduziu porque me fazia sorrir, porque me deixava cantar e porque me desvendava para o outro, o próximo, o mais próximo.

O amor permitia a divisão e a vontade. A liberdade e a prisão. O sim, o sim, o sim.

Confiei no amor e em suas promessas. Traí a solidão e me entreguei a esse novo parceiro.

Descobri que o amor também é onipresente, acompanha e preenche todos os instantes, os espaços. O amor invade a alma. E gosta do perigo: corda bamba, beira de precipício, olhos nos olhos, corpo em chamas, passarinho solto.   

O amor não deixa espaço vazio. E quando a solidão tenta se aproximar, ela já não tem boa música e incomoda e atrapalha e perturba e enlouquece.

A solidão fica ali, escondidinha, a espiar. 
O amor não pode esperar!




quarta-feira, 6 de novembro de 2013

un caballero de fina estampa...


Filho,

Já aconteceu muita coisa em nossa incomum vida em comum:

futebol, espera por sol, basquetebol
hospital, mau humor matinal, temporal
drama, falta de grana, organograma
bar, banho de mar, troca de par
almoço no carro, tiração de sarro, peito com catarro
fratura, aventura, criadora e criatura
descoberta de lugares, vestibulares, compras em bazares
faxina, rotina, comercial de margarina
desminto, distinto, labirinto
briga, invasão de formiga, mastiga
maracanã, você vai ter uma irmã, bambambã
bebida, partida, dura despedida
escola, gaiola, "mãe, tô com catapora"
dificuldade, amizade, entrou na faculdade
polvilho, brilho, mãe e filho!

Essa empilhação é grão de areia de nossa vida juntos. Você já parou pra pensar que eu sou a pessoa que você conhece há mais tempo nesse mundo? Obrigada pela companhia até aqui, tudo tem sido muito divertido!

Dé,
Eu não tenho vontade de repetir o que já tantas vezes foi dito sobre o filho maravilhoso que você é, embora goste muito de quando você me traz água de madrugada, quando guarda o carro, de como cuida da sua irmã, das suas notas absolutas na faculdade, da sua voltinha diária com o cão, da sua preocupação conosco (precisa melhorar um pouco o quesito lavar a louça e arrumar o quarto, mas isso é outra história...).
Hoje, você assim, crescido, barba na cara, próprias decisões, a maioridade, tenho vontade de ficar horas e horas a tratar da pessoa…
Você é um rapaz inteligente, bom de papo, conhecedor de coisas, interessado em diversos assuntos e vidas, não conhece as verdades absolutas, tem coragem para refazer planos e seguir sua caminhada, trata com cuidado e respeito as pessoas…
Eu tenho sorte, suas irmãs têm sorte, a Jéssica tem sorte, seus amigos têm sorte. O mundo tem sorte porque debaixo do céu e por cima da terra, há você a emprestar as coisas que sabe e a procurar outras para preparar um tempo melhor para todos nós!

Dé, que você continue a fazer sua colheita e semeadura dessa maneira tão leve e tão cheia de beleza.
Feliz ano novo, aproveite e se divirta.
Só vai...   

Um pouco de você aqui, aqui, aqui e aqui - veja, são belezas de outros momentos...




sexta-feira, 1 de novembro de 2013

perpetuum móbile – porque nenhum amor acaba


Os amantes se separam, se vão. Somem no tempo e no espaço. Mas nenhum amor acaba.

Os amores sempre continuam e continuam sempre. O amante vai e o amor fica num objeto da sala, no cheiro de um livro, na cor do dia, numa palavra, num sotaque, na fumaça do cigarro – não há lugar em que o amor passado viva mais que na fumaça do cigarro; no primeiro gole, talvez.

A lembrança do amor é o próprio amor. E se ela vive aqui e ali, é só porque o amor também vive.

Há mais amor na coleção de não-amor do que em qualquer outro lugar.

O amor do passado, que vive no presente e que talvez se junte a outros ainda, não é do tipo que faz mal, que move montanhas ou que desassossega a alma. Ele só está por ali, por aqui, a pairar feito Gasparzinho. A contar um pouquinho sobre a vida que tivemos, lembrança não-autorizada da própria biografia.

O amor do passado as vezes provoca curiosidades: uma espiadinha na vida, uma vontade de saber, um relato de episódio, recorte de momentos...

Sempre que alguém vai embora, deixa um pouco de si no outro. E esse deixar é o amor que continua sempre e sempre continua e faz parte da gente como todas as outras coisas.    

Amor é moto-contínuo.