quinta-feira, 27 de março de 2014

...

- o que você está fazendo, Adriana?

- me preparando para as próximas eleições.

- ah! você é candidata?

- não, sou mais importante. sou eleitora!!!

segunda-feira, 24 de março de 2014

essa história é minha, portanto não me pertence



Conheci pessoas de todos os tipos. E me agradei ao percebê-las. Sou uma interessada na vida alheia, na história do outro, no que me cerca. Tenho fascinação pelo humano e vontade de saber tudo das outras cabeças.

Muitas vezes estabeleci relação de observação, a anotar em silêncio o que girava nos degraus das conversas. Noutras tive que fazer papel de repórter para decifrar as espirais de forasteiros.

Eu acho que a grande coisa das relações humanas é que ninguém é expectador, plateia sem interação. Quando uma história chega, ela passa a fazer parte de quem a ouve. E também acontece o incrível fenômeno de o audiente acabar por se descobrir no outro, se decifrar no diferente, se reconhecer no diverso.
É bacana como as conversas nos colocam como iguais: a espécie. Mesmos dramas, sonhos, vontades, medos. As expectativas são quase as mesmas pra quem vai de carro e pra quem mora na praia, pra quem torce pro Botafogo e pra quem ouve Beethoven, pra quem vê televisão e pra quem volta de taxi.

No fundo e no raso, somos todos iguais em desejos e fraquezas, o que muda um pouquinho é a forma, mas o objetivo é o mesmo. Bem por isso é bom não fugir do espelho e também estar atento ao pergaminho ao lado, lá tem muita coisa nossa.


domingo, 23 de março de 2014

em todas as datas


Confesso! Adoro ganhar presente. Não fico sem jeito, não acho que é exagero, não me constranjo. Gosto, gosto e gosto! Receber um mimo é como ler na entrelinha da ação "pensei em você". E eu me esbaldo com isso.

Há dias recebo promissoras mensagens a me perguntar sobre o que eu quero ganhar de aniversário.

Atenção amigos! O meu paparico não pode virar um tormento na vida de vocês e, menos ainda, meu aniversário se transformar em data única e obrigatória para pacotes. Todo dia é dia, toda hora é hora. Inclusive hoje, agora, já!
Minha amiga Sylvia me tortura com surpresa comprada e contada sem revelação prévia sobre o que é. Peço dicas, faço chantagem, jogo psicológico e ela não arreda pé de guardar o segredo a chaves, correntes e cadeados. Estou num misto de fúria e prazer na espera do momento propício.

Para auxiliar na busca de quem gosta do fetiche de comemorar primaveras e não tem ideia de como fazer, preparei uma lista das coisas que talvez não precise, mas quero. É claro que sinto bem dentro aqui que a escolha independente vale tanto quanto qualquer uma dessas e que o melhor mesmo é estar na lembrança de quem eu gosto.

- para desafiar a gravidade, dar charme à cozinha e garantir temperinhos frescos, vasos invertidos:



- para dar luz à sala e fazer companhia a outras tantas girafinhas que moram por aqui, luminária girafa:


- para me matar a curiosidade sobre o que li aqui e ali, relatos de viagem de Auguste de Saint Hillaire:  


- para salgar o feijão nosso de cada dia e contar o tempo, saleiro ampulheta:


- para levar a tranqueirada toda pra todos os lados, bolsa disco na vitrola:

- para encantar a casa e espalhar boas notas no ambiente, CD de Mário Adnet:


- para relaxar dos trabalhos cotidianos, casa de campo:


- para poder me aventurar em água salgada sempre que me der na telha, casa de praia:


- para os dias frios e as noites de inverno, meias quentinhas:


- para enfrentar o clima curitibano, galochas coloridas:


- para distrair da vida aqui e pensar na vida lá, romance de Agualusa:


- para as aventuras noturnas, luz para leitura:


- para contentamento geral, viagem a Salerno:



Qualquer uma das opções, sugeridas ou inventadas, sempre tem que vir acompanhada de cartão, disso eu não abro mão!

sábado, 22 de março de 2014

sabbatum


Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite.

Eu espero que ele se alongue e se alongue e que dure mais que suas 36 horas habituais. Não conheço o domingo que não outra forma como extensão, sobrenome, esgotamento de sábado. Seja para curar ressaca, continuar os planos, estender a viagem, terminar o trabalho, pendurar as roupas.

Gosto dessa noite, dessa data em que muitos tomam as ruas, os bares, os dancings, os restaurantes e eu me protejo e escondo, planejo e concretizo, recolhida em meu Lácio particular.

Esgoto as possibilidades da solidão e viro caminhante noturna pelos compartimentos da casa, da mente, dos suspiros.
Refaço projetos e me atiro em providências urgentes, que são variáveis e incontestáveis e inadiáveis e improrrogáveis.

A noite de aleluia é temporada de Frank Sinatra, de uso do telefone, de pedido de comida, de conversa com amigo, de Agualusa, de taça de vinho, de oração e descanso, de agricultura abundante. É a comemoração do sétimo dia, do sexto dia, de todos os dias, em que a cabeça trabalha melhor, o corpo descansa, a alma canta, o silêncio é soberano e todos os assuntos se misturam.

Salve Saturno!




as pobres rimas de outros tempos...


Ei, você?
Você que não sai de casa,
que não deixa a casca,
que não abre a  mente

Você que não lê pra dentro
que se acha o centro
que divaga dormente

Você que não sabe do amor
que se põe manipulador
que empesta ambiente

Ei, você?
que irrita, que chateia e maltrata
vai aí um conselho, é batata!:  
cresça e desapareça, urgente 

sexta-feira, 21 de março de 2014

pega na mentira



Durante a vida conheci vários tipos de mentiras: as que servem ao seu inventor, as que protegem os destinatários, as que promovem paz no ambiente, as que derrubam estruturas, as de amor, de ódio, de sossego, as de vingança. Conheci mentiras sem pé nem cabeça e outras que nem um detector seria capaz de tirar-lhes crença. 

Também elaborei e contei mentiras. Passei pela humilhação sem fim de ser pega e aprendi que mentir nem é tão difícil, afinal quase tudo nos encaminha para isso desde as primeiras experiências, mais trabalhoso é sustentar mentira. Muitas vezes outras têm que ser contadas para mantê-la e lá pelas tantas há tanta história no meio da vida que já nem se sabe mais o que é o que.  

Cresci.

Há um bom tempo só tasco uma mentira ou outra quando ela será realmente muito útil e delicadamente entrará na vida de quem a ouve sem causar prejuízo, a servir de proteção. Necessidade do mundo civilizado.

Mas tem gente que mente pra valer, mente o tempo todo, mente sem precisar, mente por covardia.
Eu estou cansada de gente que mente pra mim. Pior, gente que fica mentindo pra mim.
O mais doído dos gerúndios é o do verbo mentir. Porque quando você persegue um fio de embromação e acaba chegando à conclusão de que tudo, todas as histórias, os planos, as conversas, tudo, tudo, tudo faz parte de uma mesma meada, não há muito o que fazer. O mentiroso não confessa, se confessar você não acredita, se acreditar não perdoa, se perdoar morre de vergonha.

É ruim ser enganada, fazer papel, virar boba. É péssimo enlouquecer atrás da verdade, pensar em tudo, lupa nos olhos. Não é vida andar por aí com sede de vingança e deixar o sangue ferver na mesma temperatura do agora inimigo.

Mas a grande tragédia está em falar sobre assunto tão sério e lembrar do Erasmo Carlos... é-pá-cabá!


segunda-feira, 17 de março de 2014

para o meu, para o meu amor passar



Queria outro nome para minha rua e que de alguma forma ele resumisse tudo de lindo que se deve ter no endereço de morada.

Se ela fosse minha, eu mandaria ladrilhar cores de sol por todo o caminho e todo mundo desfilaria distraidamente em astros de todos os sistemas.

Crianças brincariam nos verdes e teriam esconderijos em copas. Bancos de praça se espalhariam em frente às casas. À leste uma vivenda protegida da chuva e aberta ao público com livros de todos os tipos – ninguém e todo mundo iria organizá-los. À oeste outra com discos de todas as épocas.  

Na minha rua haveria amarelinha pintada no chão, frutas nas árvores, azul no céu e calma nos olhares.

Os cachorros não latiriam amalucados, dariam avisos simpáticos sobre a fidelidade. Passarinhos assobiariam para ouvidos de Villa-Lobos e um ou outro bichano filhote apareceria para fazer companhia ao menino que caiu da bicicleta.

Roupas esvoaçariam no varal como pendões e o rio ali de trás teria água límpida e pedras brilhantes.

Ipês brancos em tempos de frio, flores nas varandas, caixinhas de correio com nomes pintados, rostos sorridentes nas soleiras, hortas nos quintais e um cheirinho de bolo de fubá sem remetente conhecido.   

A minha rua perfeita teria alguns buracos, mas só para formar poça e animar a brincadeira na chuva que cairia depois de um dia de muito calor. 

E lá não morariam vizinhos, todos conjugaríamos a política da boa amizade, a conversar, respeitar espaços e guardar os silêncios necessários.



Mas a rua que eu queria mesmo ter imaginado, é a Rua de Rimas de Guilherme de Almeida, que narro desde menina, a me encantar com ritmo e imagens:

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,
direita, estreita, bem feita, perfeita,
com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;
e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,
douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas;
e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço baço e lasso;
e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,
mas brando e brando, soltando, de vez em quando,
na luz rara de opala de uma sala uma escala clara que embala;
e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;
e de noite, no ócio capadócio,
junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;
e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata que mata…);
e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio…
A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher que bem me quer
é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calças nuas,
correndo paralelamente, como a sorte diferente de toda gente, para a frente,
para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito
e que rima com mocidade, liberdade, tranqüilidade: RUA DA FELICIDADE…



domingo, 16 de março de 2014

dos caminhos



Por conta de umas questões paralelas fui para um lado da cidade que não conheço direito. Para chegar, segui ao pé da letra o que riscou o mapa. Nenhuma rua a mais, nenhuma curva a menos. Sucesso.

Na volta, decidi por minha conta e risco fazer caminho próprio. Ora! Nasci nessa cidade, cresci aqui e por aqui estou a tratar dos tempos grisalhos. Dona do meu destino, maior, vacinada, sem dever quase nada a quase ninguém, tratei de fazer o que me deu na cabeça: primeira a direita, segunda a esquerda, sempre reto, descida, subida, semáforo, me perdi.

Me perdi mesmo e tratei a questão como ponto de honra: encontrar sozinha o caminho de casa era preciso! Quase sequei o tanque e nada. A paisagem só tratava de mudar a me causar estranhamento, me revoltei.

Me revoltei mesmo e larguei o carro. Mau humor em nível perigoso, saí a caminhar. Chaves nas mãos, tênis nos pés e fui à terapia do estirão. Andei, andei, andei. E a cada passo, um pensamento; a cada metro, uma lembrança; a cada esquina, uma decisão. Cabeça cheia, maldisse minhas cicatrizes, pisei forte no chão. Exploradora em campos inóspitos, visitei minhas piores memórias, revi difíceis passagens e suei pelo corpo os males do mundo. Me acalmei.

Me acalmei e desesperei quando percebi que não sabia mais onde estava o carro. Na ida poucas coisas da paisagem de fora me chamaram atenção e fui buscar por elas como migalhas deixadas no caminho: uma casinha de madeira recém pintada, uma árvore imensa que não sei o nome, crianças a bater bola com a supervisão dos pais sentados em cadeiras de praia na calçada, jardim com florzinhas bem cultivadas, muro baixo de outros tempos. Me achei.

Me achei e concluí que olhar para fora é necessário, que poder enxergar e ver o que está em volta é fundamental para sobrevivência, que o caminho é tão bom quanto o chegar e que, as vezes, a volta é melhor que a ida.


quarta-feira, 12 de março de 2014

se fizer bom tempo amanhã...



Chove muito aqui. Quase todos os dias. E quando não chove, tudo é meio acinzentado durante o dia e um tanto iluminado a noite. É raro tempo sem nuvens, terra seca, corpo ao sol.

O bom, é que todas as gramas são tão verdinhas que a do vizinho não causa inveja. O chato, é ter que andar sempre com acessório: se não é capa, é sombrinha; se não é galocha, é guarda-chuva.
Raro que as meninas ousem em vestidos floridos e sandálias abertas.

Nunca há aquele cheirinho gostoso de terra aos primeiros pingos, ela está sempre encharcada a contar que existe nas pegadas que deixamos pelo corredor.

Mesmo assim passo protetor solar todos os dias. Dizem que o sol atravessa o lençol e pega na gente. Eu duvido que aqui tenha sol, bola de fogo a boiar no céu, mas passo o protetor feito reza que se pratica antes de sair para as primeiras aventuras.

Me disseram que os homens aqui não são bonitos porque sempre estão na condição de sapo. O dia em que o sol fizer vista eles largarão essa vida de banhado e se transformarão em príncipes.

Há também o problema de não olhar direito para as pessoas. É difícil porque a gente sempre tem que estar a prestar atenção no chão para não pisar em poça ou escorregar em lama e quando a cabeça se ergue, os olhos cerram involuntários para se proteger da água. Não se vê direito quem vem.
As mãos, ocupadas com a parafernália que forma armadura ou, em instinto, cruzadas diante do corpo a proteger sabe-se lá o quê,  não se estendem em felicitação.

Por aqui, sempre damos um passo pra trás, tudo é ameaça constante: o carro que passa na água acumulada, a sombrinha que insiste embaixo da marquise, o vento que arrepia todos os fios, a goteira que sempre cai e é sempre inesperada.  
Esperamos pelo dia de sol, tem vezes que ele chega a noite, a nos proporcionar estrelas; noutras cai num domingo e permite estender as roupas no varal. 

Em terras que há sol as mulheres, os homens, as crianças e até os velhos ficam cor de bronze. Nós vamos ganhando um tom amarelado, pálido, pastel.
Nos lugares de céu azul as os velhos, as crianças, as mulheres e até os homens se deitam em parques e redes e riem e conversam e fazem novos amigos. O clima nos provoca, chovemos nossas angústias diárias, trancamos as janelas, despedaçamos as soleiras, transformamos praças em ruas.

Quase não há lixos nas ruas porque não andamos por elas e as janelas dos carros estão sempre fechadas, todo o despejo é feito pra dentro.

Colecionamos objetos inseparáveis, a cada ano uma novidade chega para o grande museu molhado: galo no telhado, ponteiros na parede, limpador de pára-brisa, umbrela, desembaçador de vidros e espelhos, anti-mofo, secadora de roupa.

Trabalhamos muito, trabalhamos o tempo inteiro, trabalhamos pelo mundo, trabalhamos sobretudo para ver se o tempo passa rápido e se uma migalha de raio dourado nos chega para nos esquentar o rosto e aliviar a alma.
Mas enquanto isso não acontece, trabalhamos e reluzimos e refletimos em pingos, gotas, somos orvalhos constantes.


wonderful



Gosto de homens com traços fortes, bem marcados, que digam logo de uma vez sobre tudo. Homem com rosto de homem! Sem muitas vaidades e sem desleixo.

Como sou de outro século, gosto de homens com comportamento masculino. Não me refiro às gentilezas habituais, que essas já nem  noto porque elas têm que estar naturalmente no comportamento humano – quem não as tem, faz parte do time dos selvagens, com esses não me relaciono. As maneiras masculinas que aprecio têm relação direta com o trabalho, a força moral, o poder de decisão, as vontades de provedor. Homens frágeis e que precisam de proteção não me agradam, não me seduzem; eles me dão preguiça e uma certa pena.

O homem tem que estar disposto às minhas causas, sejam elas quais forem: família, trabalho, amigos, presepadas, viagens, silêncios, espaços, mudanças. E tem que me deixar estar abraçada às dele, ainda que isso envolva meus palpites, comentários e conversas.

É imprescindível que ele saiba cozinhar uma coisinha ou outra e me agrade com surpresas gastronômicas mesmo as que sejam em restaurantes. Ele também não pode ter muitas expectativas sobre minhas possibilidades diante das panelas.

O galã em questão tem que ser livre para fazer o que bem quiser, mas tem que querer exclusivamente comigo. E, importante, saber que liberdade é meu nome e que ele não combina com promiscuidade. Homem perfeitinho não quer provocar ciúme, não fica por aí a jogar charme em outras, não risca traço de insegurança. Mostra as suas preciosidades em ações cotidianas e elas despertam aquela sensação de sorte, vontade de tê-lo sempre ao lado, cuidado permanente.

Os sonhos são importantes. Eu cuido bem deles e é fundamental ter parceiro que seja capaz de também os querer dividir, planejar, colocar em prática.  

Homem de verdade sabe que um ombro em silêncio ou uma piada inesperada são riquezas a serem usadas nas horas mais precisas. Sabe que os amigos são preciosidade da vida e não concorrência de atenção. E que mandar uma florzinha ou um Jaguar pode ter o mesmo efeito.

Meus defeitos não devem se enfileirar em listas, nem virarem armas usadas contra mim. Eles têm que ter espaço em seu coração de perdão e se transformarem em grão de areia diante de minhas qualidades.

O meu homem tem que ter humor inglês, preparar surpresas, lembrar das minhas coisas, cantarolar uma outra musiquinha, entender dos pequenos consertos domésticos, se portar educadamente à mesa, ter muita paciência, um pouco de fôlego para pequenos dramas e ser sabedor de várias siglas: TPM, DR, MPB, etc.

Ele tem que me amar, claro!, mas ele precisa mais, tem que amar me amar. Tem que gostar e estar entregue aos tormentos e maravilhas do amor.

E, por fim, tem que se mostrar em carne e osso.

Né que ele existe?


sábado, 8 de março de 2014

sobre tudo que existe


Há meses procuro uma cadeira para acomodar o esqueleto com conforto e sem colecionar os prejuízos de horas na frente do computador. Faço meticuloso test-drive em todas: altura, coluna, pernas, braços, boniteza, cor, estado, história.

Encontrei na minha memória o modelo ideal, coisa antiga, do tempo que meu pai tratava de suas lições do Colégio Estadual. Madeira, pés fixos, assento arredondado e parte de trás com leve curva para pegar as costas de leste a oeste. Objeto da Cimo, a velha e boa Cimo que começou em Rio Negrinho em 1913 e veio falir aqui em Curitiba em 1982.


Escolher o modelo é um tormento a menos num mundo em que há milhares de variações. Mas é início de outro. Não é fácil encontrar uma Cimo em bom estado e num preço razoável. Como a questão envolve saúde e estética da casa, larguei mão de pensar em valor e me joguei na busca.

Hoje recebi informação do Mercado das Pulgas que o que eu queria estava lá. Coloquei meus apetrechos de escafandrista, carreguei as armas, ergui as mangas, tomei os anti-histamínicos e fui à causa.  

Para minha sorte encontrei mais, não uma, mas quatro belezinhas. Três do jeito que eu havia decidido e uma melhor, muito melhor: giratória, com descanso de braço, encosto pros lados e também de norte a sul. Fiquei louca e queria já montar jogo para sala de jantar, acomodar a família, as visitas, o cão... pensei em fazer coleção, ajustar a casa em museu interativo onde os visitantes aproveitam os objetos.


A realidade veio galopante no código dos preços. Eu precisava escolher uma. Deixei a compra para segunda-feira e voltei pra casa com a cabeça a ferver em contas. E no caminho a dúvida: quais bumbuns ocuparam a minha giratória? As pessoas que se sentaram ali, fizeram o que? Leram? Escreveram? Traçaram planos? Criaram guerras? Desenharam? Colocaram almofada para servir de cama ao gato velho chamado Mitchuca? Por onde andou minha cadeira?
Na ciranda da história os objetos são a testemunha ocular. Eles presenciaram, como criados mudos, todas as modificações da vida privada, as trocas de costumes, brigas, reconciliações, projetos de invasão. Crianças cresceram, adolesceram, casaram, se multiplicaram diante das coisas nossas de cada dia.

Por que será que mesmo assim quando estava chegando em casa vi, apoiado em poste, a derramar lágrimas de ser desprezado, um sofá abandonado a esperar por adoção? É muito desapego pro meu gosto! Ei, vizinho, recolha o seu sofá, não o transforme em entulho de calçada, arrume um lar para ele continuar seu trabalho.