segunda-feira, 17 de março de 2014

para o meu, para o meu amor passar



Queria outro nome para minha rua e que de alguma forma ele resumisse tudo de lindo que se deve ter no endereço de morada.

Se ela fosse minha, eu mandaria ladrilhar cores de sol por todo o caminho e todo mundo desfilaria distraidamente em astros de todos os sistemas.

Crianças brincariam nos verdes e teriam esconderijos em copas. Bancos de praça se espalhariam em frente às casas. À leste uma vivenda protegida da chuva e aberta ao público com livros de todos os tipos – ninguém e todo mundo iria organizá-los. À oeste outra com discos de todas as épocas.  

Na minha rua haveria amarelinha pintada no chão, frutas nas árvores, azul no céu e calma nos olhares.

Os cachorros não latiriam amalucados, dariam avisos simpáticos sobre a fidelidade. Passarinhos assobiariam para ouvidos de Villa-Lobos e um ou outro bichano filhote apareceria para fazer companhia ao menino que caiu da bicicleta.

Roupas esvoaçariam no varal como pendões e o rio ali de trás teria água límpida e pedras brilhantes.

Ipês brancos em tempos de frio, flores nas varandas, caixinhas de correio com nomes pintados, rostos sorridentes nas soleiras, hortas nos quintais e um cheirinho de bolo de fubá sem remetente conhecido.   

A minha rua perfeita teria alguns buracos, mas só para formar poça e animar a brincadeira na chuva que cairia depois de um dia de muito calor. 

E lá não morariam vizinhos, todos conjugaríamos a política da boa amizade, a conversar, respeitar espaços e guardar os silêncios necessários.



Mas a rua que eu queria mesmo ter imaginado, é a Rua de Rimas de Guilherme de Almeida, que narro desde menina, a me encantar com ritmo e imagens:

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,
direita, estreita, bem feita, perfeita,
com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;
e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,
douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas;
e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço baço e lasso;
e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,
mas brando e brando, soltando, de vez em quando,
na luz rara de opala de uma sala uma escala clara que embala;
e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;
e de noite, no ócio capadócio,
junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;
e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata que mata…);
e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio…
A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher que bem me quer
é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calças nuas,
correndo paralelamente, como a sorte diferente de toda gente, para a frente,
para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito
e que rima com mocidade, liberdade, tranqüilidade: RUA DA FELICIDADE…



Nenhum comentário:

Postar um comentário