sou pessoa que se comove com necessidades
alheias. aprendi que se é uma coisa que tenho que fará o sofrimento do próximo
diminuir, eu doo. não tem problema.
mas mesmo assim, me agarro a alguns objetos
sem saber direito o motivo real.
os exemplos.
saca camiseta de promoção? loja, vereador,
campanha... essas que a gente nunca usará nem em público nem no conforto do
lar. então, quando ganho uma, se não me desfizer imediatamente, ela acabará,
inexplicável e virgem, no meu guarda-roupa até o final dos tempos. não entendo.
toda vez que vou bater aquela geral no armário e tiro peças que já me
acompanharam por anos de jornada, não consigo me desfazer dessas
sobreviventes. me passa pela cabeça o pensamento idiota de que elas um dia me
servirão para dormir, lavar vidros, fazer mudança, pintar a casa, mostrar aos
netos como era a marca da Nestle na década de 90 ou qualquer outra desculpa que
nunca se concretizará.
chaveiro. mesma coisa. é óbvio que jamais
pendurarei minhas chaves num cortador de unhas da Compagás, mesmo assim a casa
está coalhada deles. tempos atrás, resolvi encerrar esse sufoco, coloquei-os
juntinhos numa caixa de sapatos e decretei que faço coleção de chaveiros. pobre
de mim, tão medíocre a minha ideia que não passo de uma acumuladora de chaveiros
vagabundos.
outra coisa que não consigo me livrar são os
bilhetes de lugares que fui. tenho uma caixa cheia de entradas de shows,
teatro, cinema, gafieira, churrasco de igreja. alguns até que são memoráveis e
faz um certo sentido pelo valor sentimental ou histórico em questão, mas a
maioria não tem cabimento, principalmente aqueles que vêm em papel de fax e se
apagam com o tempo. há um sem-número aqui de bilhetes que não têm mais
inscrição do que foram, mas não consigo me desfazer, não quero ser ingrata com
um papelzinho que pode ter me proporcionado grandes momentos.
as coisas dos filhos. tenho material para
inaugurar um museu para cada um. tudo começou na maternidade, guardei primeiro aquele
bracelete que identifica o bebê, serviu de alimento para a compulsão: umbigo, dentinhos
de leite, primeiro sapato, trabalhos escolares, provas, boletins, cadernos,
bilhetinhos, um milhão de cartas. as roupinhas se foram, mas guardei um
modelito de cada manequim. imagine o tamanho desse baú, ele com 22 anos, ela
com 14.
é verdade que quando mudei de casa, veio um
caminhão cheio pro novo endereço e um outro cheinho também ficou para trás.
quando decretei que estava encerrada a temporada de mudança, não quis saber o
que ficou. com o tempo fui descobrindo: aspirador de pó, panelas, patins,
caixas de som, quadros... coisas que me seriam úteis.
o pior vem agora. encabulada confesso: nas
minhas andanças com a Lilia por Amsterdã e arredores, vi museus, prédios,
cafés, praças, feiras, moinhos, maravilhas que me marcaram a retina
eternamente. mas quando ela me levou a um imenso mercado das pulgas, fiquei
calculando quando custaria alugar um contêiner para trazer lembranças dos
Países Baixos...
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