sou frequentadora de brechós, sebos e afins.
gosto muito.
tenho fascínio por objetos e suas histórias.
quando compro alguma coisa, imagino por horas, dias, semanas sua vida útil até
chegar em minhas mãos. faço retrospectiva detalhada de tudo o que lhe aconteceu
e desmanto histórias fantásticas. o exercício dessa ficção me alegra.
dia desses estava em Antonina. em viagem
dentro de um maravilhoso mercadinho de pulguinhas descobri jogo lindo de
cristal. coisa toda desenhada, década de 50, perfeito.
lindas, serenas, elegantes, gamei nas taças.
30,00 cada, levando as seis, o desconto: 25 pila.
cheguei em casa com o conjunto reluzente.
peças frágeis, tratei-as com cuidado,
delicadeza e respeito. imaginei-as sendo levantadas em cerimônias
íntimas que anunciaram noivados, chegadas de filhos, formaturas, mudança de
casa.
soube, por intuição, de muitas histórias.
e a pensar nos maravilhosos brindes, fiquei
inquieta. não é comum jogo tão antigo ser composto por seis peças, geralmente
abarcam número maior, doze, 18, até 24, as famílias eram grandes... aí lembrei
que na divisão das coisas de uma avó, cada neta acabou ficando com meia dúzia,
que é um número de nossos tempos. a neta que deixou seu jogo em Antonina, fez
compras na Tok Stock e era uma coisa ou outra em seu apartamento novo.
sorte minha.
pois bem, estava junto com essas seis taças
no brechozinho de Antonina, seis copos e outras seis taças, daquelas de modelo
aberto, para champanhe.
não me reconheci por ter trazido apenas um
pedaço da família. isso não se faz. como pude desmembrar copos de taças? como
pude amputar companheiros de tantos eventos? será que já não basta o que
sofreram com o primeiro e definitivo divórcio?
eu não sou assim!
liguei para o brechó, perguntei sobre os
órfãos. estavam todos lá, saudosos e infelizes. ri empolgada, pedi que os
acalmassem que iria buscá-los. não tenho cristaleira, morada digna para toda
família, mas separei lugar de honra no armário.
um intrometido e frustrado balde de água
fria, desses que vagam sozinhos por aí, que só promovem a infelicidade dos
outros, se intrometeu na conversa. personificou-se na voz da atendente e
deliberou: “50,00 cada peça!”.
enquanto a economia doméstica não permite a
mudança no panorama, tento convencer as taças a conversarem com copos de outra
temporada, fazerem novas amizades, abrirem a cabeça.
parece que não querem, são prezas às raízes.
se afogam em Bordeaux para esquecer...
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