terça-feira, 4 de novembro de 2014

de olhos abertos

Teve um tempo da minha vida que sonhei em ser escritora. Tinha a imaginação fértil e nenhum medo de desejar.

Minha cabeça não pensava nas praticidades. Água, luz, telefone, casa própria, escola dos filhos, plano de saúde, essas coisas todas que insistem no cotidiano real estavam fora dos meus devaneios.

Tinha feito plano (im)perfeito: moraria numa varanda de Antonina, com vista para baía, passarinhos ao redor e sossego constante de fim de tarde. Na minha casa, pouco mais que o alimento: música, livros, imagens e umas bobagens de comer e beber.

Recolhida, muito seria necessário para me tirar da clausura. Apenas os compromissos imprescindíveis como máquina fotográfica, passarinho, flor, caminhada, botequinho abjeto, missa de domingo ou samba na Carioca.

Meu maior problema seria os prazos de entrega dos textos, sempre no último minuto, no segundo final, ao apito do juiz.
Escreveria para crianças. Somente para crianças. Nada de croniquetas errantes ou colunas enfadonhas ou matérias que arrastam grilhetas ou qualquer outra coisa que poderia me levar à guilhotina, fossem os leitores menos condescendentes.

Como não sou boba nem nada, o paraíso teria ar condicionado, internet rápida e um carro à minha disposição para visita à capital: conversa com editor, concerto ou aeroporto para as férias europeias – quando mudasse para Antonina, minhas primeiras férias seriam em Luxemburgo.

Receberia visitas. Família em pequena tiragem e amigos para ficar a par de todas as bossas.
As portas também estariam abertas para as escolas da região, estudantes e professores, para pensarmos juntos em brincadeiras intermináveis com tudo aquilo que a grade curricular obriga.

Levaria a luneta que ganhei do meu pai, a coleção de lanternas e muito repelente. Todas as caixinhas, girafas, quadros, enfeitinhos e móbiles estariam lá a se espalhar com naturalidade pela casa.  

Do tempo em que esse sonho voou para mim até hoje, pouca coisa mudou. Feito princesa encastelada na própria fantasia, vez ou outra, ainda acho que é possível. É na margem direita do São Joãozinho Feliz que mora minha quimera de felicidade.


Um comentário:

  1. Adriana, mais um que quase me obriga a comentar, e confessar: eu tmb sonhei ser escritor!Na terceira do Grupo Escolar Julia Wanderlei ganhei um concurso de redaçao.Todo pimpao, audaz e imprudente logo comecei a encher uns cadernos amarelos fininhos,que eram distribuidos pelo governo do Parana,atras tinha uma araucaria majestosa.E cumulo da ousadia, tentava escrever poesia! Mas logo, aos 14-15 quando comecei a ler seriamente Fernando Pessoa, minha ousadia esvaiu-se, acabou. Lendo aquelas coisas assombrosas do Fernando, que nos deixam literalmente aterrados e olhos nas estrelas pensava com meus botoes: ooohh Manuel, te toca ne cara? Vai procurar serviço como diz o polaco da barreirinha, apesar de que naquela epoca minha alma adolescente rebelde preferia mil vezes ser clochard em Paris do que advogado em Cwb. Entao para ti que nao foi covarde como eu, que foi atras e realizou o sonho so tenho a dizer e pedir por favor continue, tua prosa è maravilhosa, tua poesia afiada, tu tens uma coisa assim delicada e forte, uma mistura de Fernando Pessoa e Dalton Trevisan, è reconfortante, aconchegante como o colo da mae, continue acreditando que è possivel sim, que ate pode nao ser da margem direita do sao joaozinho que vao sair romances,cronicas, poesia que irao ser balsamo para a alma de muita gente ao redor desse planeta, o lugar no fim e menos importante, o que sim è fundamental è escrever.
    um beijo.

    ResponderExcluir