quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Horácio



não sou pessoa do tipo previdente, que guarda para o futuro e prepara a vida para o tempo da velhice. essa inclinação para viver o dia de hoje é mais forte que qualquer juízo.

um dia desses, embarquei no pensamento inédito de projetar, pensar no que vem daqui alguns anos. abri um caderninho e fiz anotações secretas para o que quero e o que eu tenho que fazer para conseguir. papo cheio de estratagemas, mapas, datas, ações e possíveis consequências. 
não parecia que o futuro ia chegar para mim, mas sim que eu o invadiria, o tomaria de assalto, colocaria-lhe rédeas e comandaria a sorte desse tempo vindouro. 
concentrada, desenhei cenários. adivinhei situações e arquitetei o melhor dos tempos. minhas sementes eram todas bem coloridas e doces e refrescantes e suaves e cheias de amor e de vida. 
não poderia ter estrada melhor do que aquela em que eu ainda caminharia - o melhor o tempo esconde, longe, muito longe, mas bem dentro aqui

pois bem, situações de várias ordens me colocaram de novo na real. querendo ou não, o que eu tenho é o dia de hoje, o agora, o céu dessa quinta-feira e tudo o que me for permitido debaixo dele. 
não há futuro. a vida inteira é o dia de hoje. e só.

as vezes sinto falta de alvo para guiar minha marcha. 
nos dias piores, é meio desesperador acordar sabendo que não há objetivos nem sonhos nem nada a não ser o que o calendário acusa como o agora. nesses momentos contexto minha patética existência, tenho ondas de pessimismo.

em tempos melhores, toda a vida de um dia me invade e sinto o corpo inteiro e a dança dos pensamentos e os desejos em formação e concretização ao mesmo tempo.  é como se um redemoinho de pequeninas alegrias me envolvesse e me puxasse para um lugar maravilhoso e ele é o dia de hoje. 

entre essa louca oscilação, mantenho a espinha ereta e amanheço renovando votos que acho que devo renovar e desprezando o que não me serve mais: exercício de passar a vida a limpo todos os dias. 


3 comentários:

  1. Adriana,descobri-te ontem,e como sempre acontece quando gosto, grudei.Fui indo,e agora cheguei aqui, mas nao me contive, tocado pela beleza e pela coincidencia de pensamentos desse texto em particular,fui obrigado a comentar.Maravilhoso teu texto,encontrei nele algo que estava procurando a muito tempo, um gosto da minha Curitiba natal,uma sensaçao de qd lia o passaro de 5 asas do Trevisan, aqui exilado a mais de 30 a na minha Berna mimosa, e agora aposentado, ainda mais nostalgico de um pais que nao existe mais, de uma cidade que imagino completamente diferente. O teu texto me deu alegria,encheu meu coraçao de esperança de que talvez a minha Cwb,minha,do Jaime Lerner, do Trevisan ainda existe, me deu um gosto de pinhao na chapa, de polaco da barreirinha que pegou caroça pra roubar galinha. Muito obrigado.

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    1. ah! Manuel, que boa visita, neste blog sem uso há tanto tempo...
      maravilha saber disso e ler suas memórias.

      beijo,

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