tenho marcas. marcas no corpo. não só as dos
anos, das emoções, das intensidades. tenho marcas por conta de patologias. várias,
variadas patologias.
uma vez, um médico me disse que eu era um
modelo para estudo de caso interessante. tese. inscrições em congressos. artigos
científicos.
acumulo reações alérgicas. tantas, que as
vezes acho que todas são uma só e que ela reage ao ar que respiro. não é possível
um envelope e tantos problemas.
alimentos vermelhos, amarelos, camarão,
leite, mosquito, pó, sol... tudo exerce reação contra.
uma vez, pensei que isso é a prova definitiva
e tatuada de minha inadequação nesse mundo.
meu órgão nervoso é a pele. as alterações de
humor, de emoção, de estabilidade bordam o tecido.
uma vez, um amigo me disse que isso era bom. enquanto
alguns cultivavam gastrites terríveis que se tornariam úlceras ou inflavam
silenciosamente pressões arteriais até explodirem o coração, eu pelo menos via
que o corpo não aceitava bem as nuances da cabeça. espécie de alerta. dispenso.
nasci com genes doentes. alguma coisa não deu
muito certo e na confusão dos cromossomos, numa incompetência qualquer, a
distração genética acabou me carimbando com os sinais de parte da família. a
doença é rara, uma em um milhão no globo, mas em nosso reduzido eixo Sydor nos
contamos quatro além de mim. desafiamos as estatísticas.
uma vez, minha irmã me disse que essa era
nossa marca inconteste. sinal de nascença, laço definitivo. prova de nossas
espirais. brasão da família no corpo.
o termo sinto
na pele foi feito para mim; se fosse competente, eu mesma o teria criado ao
me observar. todas as emoções e pensamentos começam no pano. conheço: um
arrepio que debuta no maxilar, desce pelo pescoço e irradia para o resto a
partir dos ombros. se a coisa for boa, pêssego; do contrário, abacaxi.
uma vez, uma psicóloga me disse que é porque
tenho vontade de expor ao mundo que passo por problemas. não. ingenuidade de
profissional obcecada por subliminar.
ao longo do tempo, aprendi a lidar com minhas
estranhas e cansativas características. e talvez isso me ajudou a olhar as
pessoas nos olhos, diretamente nos olhos, espécie de treino de hipnose, para
que elas também me conversassem assim, sem levar em consideração o que me
cobre.
o treino me faz sempre considerar tudo que
não seja casca, aparência, manto, crosta: cor, beleza, religião, idade.
acabou que tudo que não é evidente me interessa. virei uma tola marcada e obstinada por entrelinhas. à flor da
pele.
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